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Geral Rita Bee

O Silêncio

Pílulas de Sabedoria da Rita Bee

30/03/2022 22h27
Por: Redação Fonte: Luís Fernando Gurgel e Souza
O Silêncio

Era um dia atípico para Lina Bee. As visitas na casa da avó geralmente ocorriam nos finais de semana. Naquele meio de semana, tanta coisa aconteceu que Lina sentiu necessidade de visitar a vovó Rita Bee. 

 

Lina não precisava bater na porta da casa da avó para entrar. A casa sempre estava com a porta aberta para ela.

 

Lina atravessou o corredor seguindo o aroma de uma essência que identificou como a de bambu. Leve e refrescante, proporcionando uma sensação de serenidade e harmonia. Um silêncio imperava dentro da casa. Apenas os sons da natureza podiam ser ouvidos. O farfalhar de folhas no jardim, o canto suave dos passarinhos, o tilintar provocado por uma leve brisa no sininho de teto que fica na varanda. Tudo muito diferente do barulho intenso lá fora.

 

Rita Bee estava na varanda, sentada na sua poltrona feita da madeira de um carvalho nobre. Estava com seus olhos fechados. Tinha a expressão de deleite enquanto sentia a brisa suave em seu rosto. Pelo cenário, Lina percebeu que a vovó estava meditando.

 

Aquela cena por si só era um convite para silenciar. Lina hesitou em se sentar ao lado da avó, pois não queria atrapalhá-la com o seu barulho. Lina não conseguia ficar em silêncio.

 

Rita Bee percebeu sua presença, sem abrir os olhos.

 

— Minha neta querida, sente-se ao meu lado.

 

— Como sabe que sou eu, vovó?

 

— Senti o seu cheiro. Conheço as suas passadas. E sei que elas estão carregadas de preocupação. Vamos, sente-se aqui e sinta essa brisa em seu rosto.

 

Lina ficou perplexa com o nível de serenidade da avó. Uma calma inspiradora.

 

— Respire, minha neta. Respire fundo. Sinta o ar entrar pela sua narina, sinta o ar encher os seus pulmões, solte-o devagar. Não é incrível que esse simples movimento seja tão automático e ao mesmo tempo tão mágico e importante? 

 

Lina Bee respirou fundo. Sentiu os pulmões se abrirem e por um segundo teve uma sensação de paz e satisfação. 

 

— A respiração consciente, minha querida. É a meditação dos sábios. Meu amigo Akame, lembra-se dele? Foi ele quem me disse isso.

 

— Vovó, como eu posso ter a sua serenidade? Tem um “mundo de coisas” na minha cabeça. É como se muitas vozes estivessem falando ao mesmo tempo comigo. E na maioria das vezes, as vozes não falam coisas boas. Hoje eu saí correndo do trabalho, estou esgotada. Muita pressão e estresse. Com as coisas e com as outras abelhas.

 

— Quem está te cobrando?

 

— Meu chefe, meus colegas, meus amigos, meus pais!

 

— De quem são as vozes na sua cabeça? São deles?

 

Lina Bee parou por um instante como se não tivesse entendido a pergunta.

 

— De quem é a responsabilidade no parlatório da sua mente? - continuou instigando a vovó Rita.

 

— É minha. A mente é minha — concluiu Lina.

 

— Pois bem, então quem está te cobrando?

 

Lina Bee se ajeitou na poltrona e olhou para frente. Respirou fundo. Tentou sentir o silêncio. Tentou focar a atenção na respiração. Era possível sentir o aroma da essência de bambu vinda da sala. A brisa suave batia em seu rosto e o tilintar dos sininhos era a melodia que embalava aquela dança das folhas no jardim. Após estimular os seus sentidos, fechou os olhos.

 

Lina não viu, mas vovó Rita Bee sorriu com a sua atitude. 

 

Lina permaneceu naquele estado meditativo por alguns minutos. Quando abriu os olhos, a sua avó estava olhando para o jardim. 

 

“Ao inspirar, acalmo o corpo e a mente. Ao expirar, sorrio. Vivendo no momento presente, eu sei que esse é o único momento que tenho. Quando estamos conscientes, profundamente em contato com o momento presente, nossa compreensão do que está acontecendo se aprofunda, e começamos a ser preenchidos com aceitação, alegria, paz e amor. Sentimentos vêm e vão como nuvens num céu ventoso. Respiração consciente é a minha âncora.” 1 Este é um poema que gosto muito — recitou Rita Bee.

 

As duas ficaram um breve momento em silêncio, praticando meditação contemplativa. Lina Bee sentiu naquele fugaz instante uma onda de bem-estar, uma sensação de que tudo está bem. Como se um espaço fosse aberto na sua mente. Comentou isso com a sua avó.

 

Rita Bee vagarosamente se levantou da poltrona  e foi até a sala de estar em direção à estante de livros. Lina a acompanhou com os olhos. 

 

Retornou à varanda com um livro aberto na mão. Na página aparecia um símbolo. Um círculo com um ponto denso no meio. Ela explicou que aquele símbolo se chamava Circumponto e que havia explicações das mais variadas para seu significado. Vovó Rita Bee também era apreciadora de símbolos e ficava fascinada com as diversas sensações e conjecturas que despertavam. Os símbolos são uma forma de comunicação que não usa a linguagem escrita e por isso é mais poderosa, dizia ela.

 

— Sabe, Lina — começou Rita Bee em tom dissertativo — eu compreendo o que você está dizendo. Afinal, para mim, o silêncio é a linguagem do Todo, do Criador do Universo, da Inteligência Superior, da Origem. Alguns o chamam de Deus. Não importa o nome. Importa o que representa para você. E sendo todos nós fragmentos dessa criação, estamos todos conectados. “E por que será que é assim? Por que estamos aqui?” Estas perguntas rodeavam minha cabeça e, por vezes, me desconectavam do silêncio. E era ali que estava a minha resposta: silêncio. O silêncio esvazia a mente. Imagine que estamos preenchidos das nossas preocupações diárias, preenchidos da competição, da concorrência, da comparação, exauridos de afazeres e responsabilidades, exaustos de buscar a perfeição. O balde está sempre cheio, os olhos nada veem. E no silêncio está a resposta. O porquê de estarmos aqui. É para abrir espaços vazios na mente barulhenta. Reduzirmos à essência. É para expandir a nossa consciência. É o que este símbolo representa. O espaço vazio e o ponto no meio. A consciência limpa e a essência. É a resposta para mim. Não sei se é a resposta certa. É o que eu sinto.

 

Lina Bee escutou aquelas palavras com atenção plena. Estava totalmente presente e aberta para receber os ensinamentos argutos da avó. Já se sentia bem melhor. As suas vozes reduziram o barulho. Olhando para o símbolo, percebeu que concordava com Rita Bee. Sorriu para ela.

 

A Vovó Rita retribuiu o sorriso.

 

— Você, minha querida neta, é bem-vinda na minha casa todos os dias, em qualquer hora. A porta sempre estará aberta para você entrar no silêncio. Lembre-se de respirar com consciência. Faça isso sempre que uma voz falar mais alto. O bom de respirar é que você faz isso a todo instante. Quando você focar a atenção nela, o espaço se abrirá e você estará mais próxima da sua essência.

 

Lina Bee saiu da casa da avó flutuando.


1 citações de Thich Nhat Hanh, monge budista, pacifista, escritor e poeta Vietnamita.

 

Luís Fernando Gurgel e Souza, sobre histórias do cotidiano, fábulas, crônicas futebolísticas e emoções de cada um.  luisfgurgel11@gmail.com

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Sobre CrônicaBox
Penso em publicar na coluna as histórias de humor sobre as aventuras do detetive Ted Rocky, as histórias da Abelha Rita Bee com suas pílulas de sabedoria filosófica. As inusitadas histórias de um torcedor de futebol. O cotidiano de um jovem casal recém-casado. Crônicas espirituosas e espiritualizadas. Uma caixinha sortida de crônicas.
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