Em compasso de espera pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da constitucionalidade do judicial notice and takedown instituído pelo art. 19, caput, do Marco Civil da Internet – Lei Federal n.º 12.965/2014, consoante o qual a responsabilização civil das plataformas de mídias sociais por danos decorrentes de conteúdo publicado por terceiros é I) subjetiva por omissão e II) tem como termo a quo a expedição de ordem judicial específica, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou, neste semestre, importantes precedentes em torno da moderação de conteúdo na internet.
No fim de agosto, por ocasião do julgamento do recurso especial n.º 2.139.749/SP, a Terceira Turma proclamou a licitude, prima facie, da remoção – espécie do gênero moderação – realizada de ofício pelas plataformas – in casu, pelo Youtube.
Em síntese, a ratio decidendi considerou os seguintes argumentos: I) inexistência de proibição à retirada de conteúdo na legislação de regência; II) necessidade de os termos de uso subordinarem-se à Constituição e às normas infraconstitucionais congêneres; e III) um potencial reconhecimento da moderação como mecanismo de compliance empresarial.
A aproximação entre moderação de conteúdo e compliance, tema em voga, revela-se assertiva por suscitar um dever de cuidado por parte das plataformas em contraponto à omissão deliberada cuja consequência é a flexibilização de direitos fundamentais – e, do ponto de vista da responsabilização por conteúdo de terceiros, a transmutação da garantia de acesso à Justiça em dever.
Decerto, tendo em vista a proeminência atribuída à liberdade de expressão na Constituição de 1988, restrições desproporcionais – isto é, a retirada indevida de conteúdo – ensejam responsabilização por conduta própria na medida do prejuízo imposto ao cidadão-usuário.
Plataformas globais e territorialidade
Neste mês, em mais uma decisão paradigmática, o Colegiado negou provimento, por três votos a dois, ao recurso especial n.º 2.147.711/SP, assinalando que determinações judiciais de remoção de conteúdo impostas a plataformas globais – no caso concreto, novamente, ao Youtube – têm, outrossim, alcance transnacional.
A corrente majoritária se baseou no art. 11, caput, do Marco Civil da Internet, que consigna o dever de ampla observância da legislação brasileira quando consumadas operações de coleta e armazenamento de dados em território nacional. A par do dispositivo, a indisponibilização do conteúdo apenas no Brasil seria insuficiente para assegurar o pleno respeito a direitos de personalidade.
Noutro giro, a corrente vencida suscitou a inexistência de previsão legal, na esfera do Direito internacional, para a eficácia extraterritorial pretendida, de modo que o STJ careceria de expedientes para garantir a coercibilidade.
O debate, prima facie, se põe na zona cinzenta entre o que o precedente é e o que, eventualmente, pode vir a ser – ou significar. Primeiro, é cediço que a arquitetura operacional das plataformas globais turva, quando não oblitera, a concepção de territorialidade. Exatamente a partir dessa perspectiva deve ser problematizado o cumprimento da decisão analisada.
A despeito de uma segmentação jurídica – mormente em virtude de os diplomas nacionais, via de regra, exigirem representação legal nos respectivos países –, as plataformas se afiguram, paradoxalmente, unas e ubíquas. A par disso, usuários de múltiplas localidades não apenas estão simultaneamente conectados como também aptos a um sem-número de possibilidades de interação, não havendo razão para se cogitar, por exemplo, de um Youtube exclusivamente brasileiro ou de um Instagram propriamente alemão.
Isso posto, sem descurar da primazia do Direito internacional para fins de propiciar segurança jurídica a empresas e cidadãos-usuários, ademais de afirmar a soberania compartilhada entre Estados democráticos, a melhor alternativa para tratamento da matéria, uma vez inexistente normativa internacional específica, nem de longe parece ser a proclamação de um safe harbor para as plataformas em detrimento de direitos fundamentais de brasileiros.
Na esteira das decisões em comento, insta afirmar que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça traz a lume um parâmetro essencial à efetivação da democracia brasileira na era digital: a deferência aos direitos fundamentais por parte dos atores privados, seja proativamente, mediante o argumento do compliance empresarial, por exemplo, seja em atendimento a decisões judiciais.
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