Naquela tarde de sol, Lina Bee apareceu chateada na casa da vovó Rita Bee.
- O que aconteceu, Lina? Você está sorumbática.
- Vovó, eu não sei o que é sorumbática, mas soa com estar triste. E me sinto assim hoje.
- Venha aqui para a cozinha, vou te preparar um melzinho e te dar uns favinhos para você comer. Depois você me conta o que aconteceu.
Lina Bee adorava o acolhimento dado pela vovó Rita. Na casa da vovó, ela se sentia confortável para desabafar e receber os conselhos da mais sábia e filósofa abelha do Reino, com tanto tempo de vivência.
Depois de saborear o mel orgânico e os favinhos deliciosos, Lina Bee se sentiu à vontade para falar.
- Sabe, vovó, eu tenho uma amiga que gosto muito. Ela se chama Olga. A Olga anda meio distante, há algum tempo não nos falamos. Há alguns dias, um colega que a conhece e trabalha na Fábrica de Mel comigo disse que a Olga falou mal de mim. Isso me deixou muito triste e, pra piorar, comecei a lembrar de que certa vez ela passou por mim na rua e não me cumprimentou, simplesmente fingiu que não me viu. Acho que ela não gosta mais de mim.
Vovó Rita Bee ouviu o relato da neta com atenção. Serviu-se de uma caneca de mel orgânico da melhor qualidade produzido na Fábrica Meldeus, onde a Lina Bee e grande parte das abelhas do Reino de Hymenoptera trabalhavam. Calmamente, virou-se para a neta. Lina esperava ansiosa pelo conselho da avó.
- Lina, minha querida! Você já perguntou para a sua amiga se ela não gosta mais de você?
- Não, vovó. Estamos há um tempo sem conversar.
- Por que você acredita que ela não gosta mais de você?
- Oras, eu te disse! Ouvi que ela falou mal de mim.
- Ouviu diretamente dela?
Lina Bee fez uma expressão de confusão. Estava repetindo a sua história. A intenção da avó era fazê-la refletir o que estava dizendo.
- Não foi diretamente da Olga.
- E mesmo assim, você acredita que ela não gosta mais de você. Por quê?
- Porque outro dia ela demonstrou isso quando fingiu não me ver na rua.
- Você está me dizendo que o fato de sua amiga não ter te cumprimentado em uma ocasião associado com o que outra abelha pensou ter ouvido dela te levou a conclusão definitiva de que a Olga não gosta de você.
- Do jeito que você falou até fiquei confusa, vovó.
Rita Bee sorriu como se tivesse chegado ao ponto que queria. Como de costume, se levantou e foi até a estante de discos. Escolheu um álbum da melhor banda de todos os tempos "Bee Tall's" e colocou o disco na vitrola. Em poucos segundos, o ambiente estava tomado por um ritmo harmonioso com a voz dizendo melodicamente "Nós podemos resolver isso, a vida é muito curta e não há tempo para confusão e briga meu amigo". A vovó Rita Bee retornou à mesa e viu sua neta com uma expressão mais suave, parecendo que realmente refletia as suas próprias palavras.
- Vamos lá, minha neta, - começou a falar vovó Rita tirando do transe mental Lina Bee- eu vou te contar a história do Cuco. O Cuco é uma ave que tem um hábito bem esquisito. Um hábito, digamos parasita. Em vez de construir um ninho, o Cuco deposita os seus ovos nos ninhos de outras aves, como por exemplo, no ninho do simpático Ferreirinha. Pobre Ferreirinha, ele que fica com a tarefa de cuidar do jovem cuco até este ser independente. E o mais interessante, o simpático Ferreirinha parece que não percebe o estranho no ninho e toma o jovem Cuco como de sua própria prole.
- Nossa vovó, isso acontece mesmo? Estou chocada.
- Sim, isso acontece na natureza.
- Mas por que você está me contando isso?
- Boa pergunta. Faz alguma ideia?
Lina Bee levantou os olhos, bebeu um gole de mel. A tigela dos favinhos estava quase vazia. A música dos "Bee Tall's" ainda tocava uma melodia harmoniosa com a voz cantando "Tente se colocar no meu lugar, somente o tempo dirá se estou certo ou errado".
- Vovó, eu acho que entendi. Estou criando o Cuco de alguém, seria isso?
- Sim, mais ou menos isso. Quando o seu colega te disse que a Olga havia te depreciado, a ideia foi aceita por você. Essa ideia cresceu e foi alimentada pelas suas percepções negativas naquele momento em relação a sua amiga. No fim, a ideia cresceu tanto que a conclusão tirada foi que ela não gosta mais de você. Assim, com essa conclusão o ciclo vicioso se formou, pois agora a sua mente elaborou que há a certeza da rejeição de Olga e por isso você não vai mais conversar com ela. Eu diria que você chocou ideias Cuco.
- Ideias Cuco...
-Sim, ideias implantadas que não são nossas. Tomamos como nossas, alimentamos e fazemos surgir uma conclusão aparentemente genuína, contudo baseada originalmente em algo que não veio da nossa essência.
- Estou começando a entender melhor, vovó. Sinto que devo conversar com a Olga.
- Você entendeu bem. Uma boa conversa honesta pode resolver as coisas. Nós não sabemos o que a Olga está passando. Quebre o ciclo vicioso, pergunte como ela está e fale dos seus sentimentos.
- Sim, vovó! Vou deixar essa ideia Cuco de lado.
- E lembre-se: estamos sujeitos a um dia ser o Cuco e outro dia o Ferreirinha. Vamos procurar ser nós mesmos, honestos com nossos sentimentos e intuição. Gostou da música?
Luís Fernando Gurgel e Souza, sobre histórias do cotidiano, fábulas, crônicas futebolísticas e emoções de cada um. luisfgurgel11@gmail.com
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