O vento batia suave na pequena varanda da casa da vovó Rita Bee naquela tarde de outono fazendo os sininhos pendurados no teto tilintar. A brisa agradável também movimentou as folhas das árvores no jardim em frente à varanda. A vovó Rita observava as folhas dançando no ritmo dos sininhos de vento. Umas folhas verdinhas mais escuras, bem presas nos galhos que balançavam com o vigor de quem acabou de aparecer. Outras maiores, folhas verdes mais claras que dançavam na cadência ditada pelo vento, mais flexíveis e menos presas no galho. E ainda, folhas amarelas que se soltavam dos galhos sendo levadas pelo vento.
Lina Bee apareceu na porta da sala e viu a sua avó no meio daquela meditação contemplativa da natureza. Era possível sentir no ar a energia que aquela cena transmitia. Lina Bee entrou em silêncio na varanda e se sentou confortavelmente na cadeira ao lado da vovó Rita.
-Somos como essas folhas - quebrou o silêncio a vovó Rita Bee.
-Por que? - perguntou Lina.
-Cada um que vive nesta Terra nasce, cresce e morre. Tudo dentro de um fantástico ciclo que obedece os movimentos do maestro da orquestra. E as coisas acontecem simultaneamente. Veja as folhas, Lina. Aquelas verdinhas bem presas na árvore que apareceram recentemente e aquelas folhas mais amareladas que estão se soltando com o vento. As folhas verdinhas devem dizer: “Que tolice se desprender deste galho tão seguro.” E as folhas amareladas devem exclamar: “Como é bom se desprender do galho que me impedia de dançar livre com o vento!”. Cada folha está no seu próprio ritmo. É como se cada um de nós estivéssemos aqui cumprindo o papel na orquestra, tocando o seu instrumento para criar a sinfonia do Todo. Não lhe parece isso?
Lina Bee ficou pensativa. Serviu-se de uma canequinha de mel orgânico. Era sempre melhor acompanhar as reflexões filosóficas da vovó Rita tomando um gole daquela bebida tão doce e deliciosa.
Vovó Rita aproveitou para ir até a sala e colocar um disco na velha vitrola. A música era da sua banda preferida “Bee Tall’s”. O chiado da agulha no vinil foi ouvido por Lina na varanda, enquanto mordiscava um favinho crocante.
Quando vovó Rita Bee voltou, Lina estava debruçada no parapeito da varanda observando atentamente as folhas das árvores do jardim. O som da música na vitrola surpreendentemente parecia estar harmoniosa com o tilintar dos sininhos de vento.
-Vovó, acho que sou uma daquelas folhas verdes.
-Por que você acha isso, Lina?
-Porque tenho medo de ser uma folha amarela solta que não sabe para onde vai com o vento.
-Então, você prefere estar presa para sempre no galho, pois isso te dá segurança?
-É, acho que sim.
-Você deseja ter algum tipo de controle sobre o que pode acontecer?
-Não é estranho deixar que o vento te leve para onde ele quiser?
Vovó Rita sorriu, como se estivesse gostando da conversa com a neta. Sentou-se novamente na sua cadeira de madeira nobre, que um dia já foi um carvalho imponente no bosque perto dali. Mordiscou um favinho e bebeu um gole do mel orgânico.
-Sabe, Lina, você está certa neste momento. Eu costumo pensar que a medida da nossa compreensão se dá de acordo com o nível de expansão em que se encontra a nossa consciência. Mas uma coisa você precisa entender: a impermanência.
-A impermanência, vovó?
-Sim, minha querida. Neste plano da forma, nada é permanente. As coisas são como as folhas das árvores - apontou para o jardim - a qualquer momento o vento pode bater e levá-las. Nas minhas andanças nesta jornada, tentando ouvir a música do grande maestro na orquestra da vida, conhecendo tantos seres incríveis e evoluídos, compreendi isto: a única coisa que está sob nosso controle é o presente.
-O presente…
-Não devemos nos preocupar com o passado ou com o futuro, mas apreciar as coisas no aqui e no agora. E o Agora é a impermanência das coisas.
-Nossa, vovó, a senhora é sempre muito profunda e complexa!
Rita Bee gargalhou e afagou a cabecinha da jovem neta.
-É o amarelar das minhas folhas, Lina! É a observação das coisas e de si mesma, é o escutar de tantos ensinamentos e o compartilhar dos aprendizados.
-Então eu devo ficar mais atenta no aqui e no agora e entender essa tal de impermanência?
-Sim, minha folhinha verde. É um bom começo. Eu compreendi que essa é uma maneira de abrir mais janelas no nosso interior e deixar a luz da nossa consciência entrar. As mudanças não são algo acidental, fazem parte da evolução arquitetada pelo Todo, o maestro da orquestra. Inclusive as mudanças de pensamento que inevitavelmente irão expandir a consciência. Como te disse, minha neta, neste plano da forma nada é permanente e tudo é dual. Porém, no plano sutil é diferente. O que permanece é luz da consciência, sob a qual percepções e sentimentos vêm e vão. Eu acredito que no fim, somos chamados a dançar com o vento e voltar para a unidade. Como aquelas folhas amarelas. E esse pensamento para mim, é lindo! Traz sensações de paz e liberdade.
Lina Bee olhava admirada para a sua avó filósofa, tentando absorver aquele conhecimento tão incrível. Vovó Rita percebendo uma expressão ansiosa no olhar da neta, procurou acalmá-la.
-Mas sem pressa, querida. No seu próprio ritmo, usando o seu próprio instrumento musical. Qual instrumento você está praticando?
-Violino.
A música dos “Bee Tall’s” estava em seu último verso. Os sininhos de vento ainda tilintavam. “E no fim, o amor que você recebe é igual ao amor que você dá.”
-Ah, um belo instrumento!
Luís Fernando Gurgel e Souza, sobre histórias do cotidiano, fábulas, crônicas futebolísticas e emoções de cada um. luisfgurgel11@gmail.com
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