O casal João Camilo Valter e Marineia Rosa Gaudino Valter levava uma vida sedentária em Joinville, Santa Catarina. Ele era instrutor de auto-escola e ela costureira. Em busca de mais saúde, João Camilo começou a se preparar para uma cirurgia bariátrica e, na conversa com a nutricionista, percebeu que definitivamente teria que mudar seus hábitos alimentares.
“Resultado: eu disse para trocar de armário em casa, porque o que tínhamos fazia mal. E decidimos mudar de vida, achar um sitiozinho”, conta João Camilo. Em 2018, trocaram a casa por um terreno de 2,29 hectares em Tijucas do Sul, município da Região Metropolitana de Curitiba. E foi assim que João Camilo e Marineia retomaram o trabalho de seus pais na roça, mas agregando valor ao cultivo através da produção de orgânicos.
Eles agora integram o grupo de agricultores que fazem de Tijucas do Sul o município com mais produtores de orgânicos em todo o Paraná: são 197 certificados, distribuídos em 75 famílias. No Brasil, é o Paraná que detém a liderança, com 3.737 certificações.
A produção em Tijucas do Sul é encabeça por alface americana, brócolis, couve-flor e repolho. Outros cultivos também são expressivos: cenoura, beterraba, inhame, batata salsa, gengibre, ervilha, vagem, tomate, pimentão e pimenta cambuci. Em menor escala, também há produção de morango e uva (suco e vinho).
Para novos produtores, a transição da agricultura convencional para a orgânica pode levar de 12 a 18 meses, a depender da cultura. Para isso, os produtores do município contam com o auxílio técnico do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná-Iapar-Emater (IDR-Paraná).
Os alimentos orgânicos são produzidos com uma metodologia que gera menos impacto ao meio ambiente, melhorando a qualidade de vida local. Para obter o selo de orgânico, o produtor precisa obter uma certificação, concedida por órgãos regulamentadores que estabelecem o que é permitido ou proibido no manejo. Na prática, a produção é regida por uma série de regras, regulamentadas no Brasil pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) através da Lei 10.831/2003, atualizada em março de 2021 pelaPortaria nº 52.
Algumas das características desse sistema de produção são a proibição do uso de agrotóxicos e o uso responsável do solo, água e outros recursos naturais. O resultado: alimentos mais saudáveis para o consumo e para o ecossistema local.
Segundo um levantamento da Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis), a alimentação com orgânicos vem registrando um grande crescimento no Brasil nos últimos anos. A alta foi potencializada pela pandemia: o setor registrou aumento de 30% nas vendas em 2020, movimentando R$ 5,8 bilhões. A estimativa é que, em 2021, o crescimento seja de 10%.
Magnun Rodrigo da Silva, agrônomo e extensionista local do IDR-Paraná, explica que a adaptação requer diversos cuidados. “Não é tão simples. Existe principalmente uma barreira cultural: o produtor precisa entender que ele tem que deixar de utilizar alguns tipos de insumo para ser um produtor orgânico. Mas é uma oportunidade tanto de negócio como de saúde. Ele vai vender produtos de qualidade, que estão cada vez mais chegando na mesa do consumidor paranaense”, afirma.
A saúde é vista como consequência tanto para o consumidor como para o produtor. Apenas com a mudança nos hábitos alimentares, em três anos, João Camilo Valter perdeu mais de 20 quilos. Os benefícios se estendem para Marineia, que reconhece a melhora na qualidade de vida como um todo.
“A alimentação é diferenciada, e hoje a gente tem menos custo e praticamente ganha mais do que quando morava em Joinville. Mas o maior ganho é a saúde”, endossa a produtora.
Em cerca de 1,6 hectares, o casal produz 25 opções de hortaliças, mas o brócolis e a cenoura são os carros-chefes. A maior parte é vendida para a Região Metropolitana de Curitiba: além de atender uma cooperativa e algumas lojas de orgânicos, os produtores entregam compras realizadas por e-commerce, mediadas por uma loja online. O casal tem planos de expansão, e pretende criar uma pequena agroindústria para comercializar temperos.
ORGÂNICOS DO SUL–O perfil dos produtores de orgânicos em Tijucas do Sul não é formado apenas pelas pequenas propriedades. Além de serem os maiores produtores da região, a empresa Orgânicos do Sul é a pioneira do cultivo hoje tradicional na cidade.
“O trabalho começou com o pai e a mãe, apostando no orgânico em um tempo em que ninguém acreditava, há 18 anos”, conta Flavio Henrique Setim, presidente da empresa. “O começo foi por uma situação complicada: meu pai teve uma intoxicação pelo uso de defensivos. Daí veio a ideia, que na época era uma coisa de louco. Não se acreditava nisso porque não conseguia produzir nada sem veneno. Aos poucos, o mercado foi expandindo”.
Após quatro anos de produção, os pais de Flavio, Irineu e Jociane, começaram a industrializar a produção, passando a comercializar os produtos já embalados. Dois anos depois, criaram a marca Orgânicos do Sul.
Hoje, são 60,5 hectares de terra que produzem uma média de 5 a 8 mil bandejas de produtos por dia. O mix da marca possui 11 produtos, capitaneados por alface americana, brócolis, couve-flor e cenoura. A empresa atende diversas redes de supermercados em Curitiba, além de mercados em Santa Catarina e no Norte do Paraná.
A produção conta com 23 funcionários: são 16 em campo e cinco nopacking house,além dos pais de Flavio, que auxiliam em diversos setores. Com 25 anos e à frente da empresa há quatro, Flavio vislumbra uma expansão dos negócios. Além de investir em novos equipamentos, a família pretende, em breve, passar a produzir ovos orgânicos e vinho colonial.
COORGÂNICOS – Para alavancar as vendas de pequenos produtores, desde 2017 Tijucas do Sul também conta com uma cooperativa de orgânicos, a Coorgânicos. Com 69 associados, o grupo está se estruturando para adentrar o mercado. Só em 2020, a cooperativa vendeu um montante de R$ 650 mil.
Nos últimos dois anos, participou do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que oferece alimentação e ações de educação nutricional em todas as etapas da educação básica pública. Escolas de Mandirituba, Piên, Quitandinha e Curitiba foram algumas das que receberam alimentos da região.
“Ainda estamos apenas no mercado institucional, com o PNAE. Estamos tentando ir para o mercado comum, chegar a Joinville. A maioria dos associados vende os produtos de forma particular, mas a ideia é que, em um futuro próximo, a gente comercialize bem pela cooperativa”, estima o produtor Lourival Pereira da Silva, presidente da Coorgânicos.
MAIS ORGÂNICOS–Como forma de estimular e facilitar a agricultura orgânica no Paraná, os produtores familiares do Estado podem participar doPrograma Paraná Mais Orgânico. O projeto, desenvolvido pela Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (Seti), auxilia em todo o processo de conversão da agricultura convencional para a orgânica, desde o período de transição até a emissão do certificado e comercialização dos produtos.
O intuito é reduzir os custos da certificação, um dos empecilhos para iniciar a atividade. Segundo o IDR-Paraná, o valor varia conforme o tipo de produção, área cultivada ou localização da propriedade, mas pode chegar a R$ 1,5 mil anuais. Com o programa, o processo é gratuito.
A iniciativa é uma parceria da Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior com o IDR-Paraná, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento e as universidades estaduais. Para participar, o agricultor interessado deve entrar em contato com um dosnúcleos do programa.
PARANÁ AGRO– Os orgânicos de Tijucas do Sul integram a série de reportagensParaná que Alimenta o Mundo, desenvolvida pela Agência Estadual de Notícias (AEN). O material busca mostrar o potencial do agronegócio paranaense. Os textos são publicados sempre às segundas-feiras.
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