Tragédias e acidentes graves, ocorridos em Belo Horizonte, Minas e até em outros estados repercutem sempre no Hospital João XXIII (HJXXIII), da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) , referência nacional para o tratamento de vítimas de politraumas, queimaduras e intoxicações.
Um dos maiores prontos-socorros do país e o maior do estado completa, no dia 4/4, cinco décadas dedicadas a salvar vidas.
Ao longo dos últimos 50 anos ou 18.262 dias, tempo suficiente para dar a volta ao mundo por mais de 30 vezes, um verdadeiro regimento de profissionais empreendeu missões diárias para salvar a vida ou recuperar a saúde de, aproximadamente, 3 milhões de pessoas, entre crianças, mulheres e homens que ingressaram no hospital desde o dia 4/4/1973.
Atualmente, 2,7 mil profissionais trabalham no hospital, distribuídos por diversas especialidades.
Também nesse tempo todo, os quase 500 leitos do João XXIII foram cenários para histórias de recuperação tão impressionantes que, em algumas situações, se confundem com renascimentos.
Brumadinho
O rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, no dia 25/1/2019, foi notícia internacional.
Da Argentina ao Reino Unido, passando pelos Estados Unidos, Espanha e França, a imagem da jovem Talita Cristina de Oliveira Souza, então com 15 anos, resgatada pelo helicóptero do Corpo de Bombeiros, tornou-se símbolo da violência do “mar de lama” que atingiu o município, tirou a vida de 272 pessoas – duas estavam grávidas -, deixou muitos feridos e causou significativo impacto ambiental.
Hoje, com 19 anos, Talita mora na comunidade do Brejo, município de Lassance, Norte de Minas, e trabalha como lavradora. Ela conta que, ao chegar ao HJXXIII, com fraturas no quadril e no fêmur, depois de ser retirada da avalanche de lama e rejeitos que a arrastou de sua casa até o local em que foi resgatada, não tinha ideia da dimensão da tragédia.
A jovem somente se deu conta da gravidade do seu estado de saúde, e do que vivenciou, algum tempo depois de sua internação, ao questionar quando teria alta do hospital. Segundo Talita, foi nesse momento que soube, por meio de uma técnica de enfermagem, da complexidade da sua situação e entendeu o que, de fato, havia ocorrido em Brumadinho.
“Quando percebi que estava segura, foi muito bom, porque sentia muita dor. Os médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem foram muito cuidadosos comigo e me ajudaram o tempo todo. Eles são muito importantes para mim. Agradeço a todos eles, eternamente”, sublinha a jovem.
Talita conta que assistiu ao vídeo de seu resgate, que teve quase 2,5 milhões de acessos e viralizou nas redes sociais. “Passou muita coisa pela minha cabeça. Nem parecia verdade. Pela gravidade do caso, eu estar viva é surpreendente, Deus quer alguma coisa de mim. Refletir sobre tudo o que aconteceu machuca, mas estou tentando ser forte e seguir em frente. Ainda é difícil pensar no futuro”, revela.
Risco na infância
O drama vivido pela manicure Flávia Guimarães Silva Faria, 31 anos, que teve a filha, Luiza, de um ano e quatro meses, atacada pelo cão da família, um Rottweiler, em Pará de Minas, também emocionou os profissionais da unidade.
Ao dar entrada no HJXXIII, no dia 24/9/2021, Luiza estava em estado de choque, tinha todo o couro cabeludo arrancado, além de uma fratura no crânio. Rapidamente, ela foi submetida à primeira cirurgia para salvar sua vida. Foram dois meses de internação até a alta, 30 dias antes da véspera do Natal.
Desde então, a menina segue em tratamento na unidade hospitalar e foi submetida a nova cirurgia, para reanimação facial. Desta vez, para recuperar o lado direito do rosto, que ficou paralisado, comprometendo o olho e o sorriso.
Quase 100% recuperada, Luiza ainda é acompanhada por um fonoaudiólogo e um fisioterapeuta e, em um futuro próximo, irá passar por outra cirurgia para sua reabilitação integral.
“Os médicos cuidaram muito bem da minha filha, não sei como agradecer a todos. São verdadeiros heróis, não tenho palavras para descrever o que sinto. Sou grata por eles existirem. Agora, a gente vai ao João XXIII uma vez ao ano, para controle da cabeça. Vou fazer tudo o que for preciso para ela ter o cabelinho novamente”, finaliza Flávia.
Arte de cuidar
A cirurgiã plástica Vivian Lemos conta que, ao receber a pequena Luiza, a prioridade foi estabilizá-la e traçar estratégias diárias, devido à complexidade do trauma. “Esse foi o caminho que seguimos. Além de comunicar aos pais tudo o que realizávamos para salvá-la, a fim de acalmá-los e mantê-los confiantes de que uma equipe multidisciplinar e experiente estava ao nosso lado, até que pudéssemos realizar o tratamento definitivo. Sabíamos que nossa jornada com ela seria longa”, conta.
Vívian destaca o compromisso social da cirurgia plástica reconstrutora. Ela acredita que a rotina no pronto-socorro contribui para sua visão de mundo, à medida que a faz encarar situações do dia a dia com mais leveza e compreensão da vida e da jornada de cada ser humano.
“Trabalhar em pronto-socorro é uma missão que passa pela ‘arte de cuidar’. É ter coragem, equilíbrio e muita humildade para compreender o quanto somos limitados diante da fragilidade humana. É não perder a sensibilidade e a crença divina diante de tantas tragédias. É ter uma palavra de conforto para o familiar, quando tudo está desmoronando para ele e, imediatamente após, ser racional o suficiente para conduzir a vida do paciente”, confessa a cirurgiã.
Queimadura
Flávio Oliveira Silva compartilha do sentimento de gratidão dos pacientes que já passaram pelo João. Moradores da cidade de Janaúba, interior de Minas Gerais, ele e a esposa estavam no trabalho quando receberam a notícia de que a creche frequentada pela filha havia sido incendiada pelo segurança do local, resultando na morte de oito crianças e da professora Heley de Abreu Silva Batista, além de dezenas de outras feridas, no dia 5 /10/2017.
Flávia Nayara da Silva, filha dele, foi uma das vítimas encaminhadas, em estado grave, ao João XXIII. Com apenas 4 anos na época, ela chegou de helicóptero à unidade, com queimaduras em 80% do corpo.
O cirurgião plástico do João XXIII, Marcus Vinícius Mourão Mafra, na época coordenador da equipe de cirurgia plástica e da Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ), se lembra bem desse dia. “Houve uma grande mobilização de toda a equipe do hospital, como sempre acontece. Mesmo quem não está de plantão sai de sua casa e se apresenta, voluntariamente, em casos como esses, e foi o que ocorreu no dia. Fizemos rapidamente todas as adequações necessárias para receber as vítimas, especialmente na UTI pediátrica do pronto-socorro. Além disso, a UTQ do João também recebeu pacientes adultos com grandes queimaduras. Todos trabalharam muito para dar o seu melhor, desde a equipe assistencial até a diretoria”, recorda.
Para ele, o sentimento foi como estar em uma batalha. “Ficamos exaustos, mas com a sensação de dever cumprido, pois conseguimos salvar a maioria dos pacientes, após uma longa internação e múltiplas cirurgias”, afirma Marcus.
Flávia foi uma das sobreviventes. Ela permaneceu no João XXIII durante dois meses e passou por cirurgia de enxerto antes de ser liberada para continuar o tratamento em casa. “Não tenho palavras para expressar tanta gratidão a Deus e à equipe do João XXIII, que nos acolheu dando todo o suporte de que precisávamos. Era como se eles nos conhecessem há muito tempo. Minha filha foi encaminhada para o lugar certo”, elogia o pai.
Hoje, ainda em recuperação, a pequena Flávia já não necessita das malhas compressivas, placas de silicone e talas que usou durante tanto tempo, e nem das idas mensais ao João XXIII para acompanhamento. “Ela está bem e segue suas atividades normalmente, com alguns cuidados, como não tomar sol, enquanto aguarda nova cirurgia, que será realizada no João XXIII”, explica o pai.
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