As vitórias que podem ser obtidas por meio do esporte vão muito além de pódios e medalhas. Dedicar-se à rotina de uma atividade esportiva e desenvolver estratégias visando bons resultados em competições é algo que pode resultar em benefício muito maior do que o de superar adversários: permite ao indivíduo superar a si mesmo. Exemplos disso não faltam entre os milhares de atletas que participam, em Brasília, da edição deste ano dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs).
Judoca e professora de defesa pessoal, a gaúcha Maria Eduarda Tendero, de 22 anos, não obteve, no JUBs de 2022, resultado tão bom quanto em outras competições – entre elas a terceira colocação conquistada há poucos anos na Copa Rio Internacional.
Lidar com a frustração, segundo ela, é algo que a torna cada vez mais preparada para enfrentar problemas. “O judô sempre me ajudou a ser resiliente. É muito útil para o meu psicológico, ensinando que há sempre um dia após o outro, e que existe muita coisa boa além do pódio”.
O histórico de vitórias da faixa preta inclui um adversário que não veste quimono e cujos golpes têm, como ponto de partida, o psicológico de suas vítimas. “Fui diagnosticada com vitiligo há cerca de dez anos, quando ainda criança. Como é uma doença relacionada a estresse, vi no judô uma possibilidade de controlá-la”, disse à Agência Brasil a judoca, ao relatar ter conseguido estagnar o desenvolvimento da doença ainda em sua fase inicial.
“Na época eu fazia judô há apenas poucos meses. Aproveitei então para usá-lo como ferramenta antiestresse. Saio leve do tatame, mesmo quando chego me sentindo sobrecarregada. O benefício é evidente”, enfatiza a atleta que dá aula de judô para crianças e de defesa pessoal para mulheres.
O esporte representou, para ela, também acesso ao curso de educação física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O cursinho pré-vestibular foi custeado pelo seu clube, o Grêmio Náutico União, que também bancou uma complicada cirurgia de ligamento no joelho. “Minha família não teria a menor condição de arcar com esses custos”, disse.
Lidar com os obstáculos do dia a dia é a especialidade dos praticantes de um outro esporte que, por ter se tornado olímpico, está cada vez mais popular, também, no JUBs: o skate.
“Não é à toa que, na modalidade Street, os elementos da pista, onde temos de fazer as manobras, chamam-se obstáculos”, explica Gabriel Miranda, 22, estudante do 5º semestre de história na Universidade Federal do Amapá (Unifap).
Gabriel diz que o skate está presente em sua vida desde que começou a praticar, aos 8 anos. “É uma necessidade”, segundo ele, mesmo em meio às dores consequentes das muitas quedas que já teve.
“O skate é um esporte que tem uma rotina com muito mais erros e quedas do que acertos. Dessa forma, desenvolve, em seus praticantes, um jeito particular de ver o mundo, pelo qual obstáculos passam a representar desafios a serem superados”, disse.
Essa necessidade de condicionar o lado mental a lidar com dificuldades e adversidades fez do atleta uma pessoa mais focada em seus objetivos, imediatos ou não.
“Em primeiro lugar, eu sou um cara que não sente ansiedade. E tenho sensação constante de ter um horizonte a perseguir. Estou sempre focado nisso e não me deixo abalar pelas coisas”, explicou.
Foco, disciplina, equilíbrio, flexibilidade, muito treino e perseverança são fundamentais também para uma modalidade que tem ganhado espaço no JUBs: o cheerleading, prática esportiva bastante difundida por meio dos filmes norte-americanos, com suas “líderes de torcida” fazendo coreografias e movimentos que misturam ginástica artística, dança, circo, acrobacia, elevação, lançamento e movimentos de solo.
Tudo requer, segundo o atleta e treinador da equipe da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Willy Dirita, 25, “muita força, equilíbrio, flexibilidade e trabalho em conjunto”. O gosto pelo “cheer” o fez trocar o curso de engenharia, iniciado em 2015 “estimulado pela família”, pelo de educação física, em 2018, três anos após iniciar na modalidade.
“Além de ser atleta, trabalho e vivo disso. O cheer era nada e virou tudo, tanto no campo profissional como social. Meus amigos são todos praticantes”, disse o estudante que já têm um histórico de três campeonatos brasileiros e três mineiros.
Entre as modalidades eletrônicas que vêm ganhando espaço nos JUBs está a do jogo League of Legends (LOL), que tem, entre seus praticantes, o estudante de tecnologia da informação da Universidade Potiguar (UNP) Cassiano Goés.
Conhecido como “Cacá do Pálio”, ele ganhou destaque no JUBs – e reconhecimento, ao ser premiado como “melhor jogador” da edição 2021 dos jogos – após um histórico “pentakill”, obtido na final, quando, sendo o único remanescente de sua equipe, conseguiu derrotar cinco adversários da outra equipe.
Segundo ele, os jogos eletrônicos representam uma “verdadeira malhação cerebral”, para lidar com a grande quantidade de informações que surgem a todo momento. Entre os integrantes de sua equipe há também estudantes de medicina, direito e psicologia.
Ele cita um estudo desenvolvido pelo departamento de psicologia de sua universidade indicando que os praticantes do jogo “desenvolvem pensamento rápido e análise espacial”, o que dá a eles tempo mais rápido de resposta. “Nós aprendemos as coisas mais rapidamente”, afirma o estudante que é, também, gerente em uma empresa do ramo alimentício.
“Sou reconhecido, em meu ambiente de trabalho, como uma pessoa com mais facilidade para identificar prioridades, minimizar tempo e para tomar, de forma rápida, decisões sobre distribuição e uso dos alimentos. Como o LOL é um jogo coletivo, desenvolveu, em mim, liderança de equipe, o que também me ajuda na hora de organizar minha equipe de trabalho”, acrescentou.
Baiana de São Gonçalo dos Campos, a atleta de lançamento de dardo Ana Carolina Marques, 25, já conquistou dois títulos nacionais pela federação da modalidade, além de um terceiro lugar no sul-americano e a 15ª posição no ranking mundial.
Em meio a tanto talento sucedido de títulos, a estudante de educação física da Uninassau de Feira de Santana diz que o que mais a encanta é passar adiante toda a experiência adquirida com treinamentos e experiências obtidas graças ao desporto.
“Muita coisa brilha nos meus olhos. Em especial, crianças, formação de atletas e trabalho social. Isso já faz parte do meu presente e fará também do meu futuro, porque quero que outras pessoas tenham acesso ao que eu tive”, disse ela em meio a recordações de viagens e de encontro com outros atletas que admiração.
Ela participa de um projeto social que estimula crianças carentes a praticarem artes marciais, atletismo, capoeira e futebol na cidade natal, para onde retornou após muitos anos vivendo em São Paulo, onde se profissionalizou como esportista.
A estudante parou com as competições em 2019, mas foi “motivada a retornar” pela torcida de sua cidade, que sempre acompanhou, ainda que a distância, suas façanhas esportivas. “Hoje realizo, nos jogos estudantis, o sonho de representar [oficialmente] a minha cidade e o meu estado”.
Ao buscar “novos vencedores” por meio do projeto que desenvolve em parceria com a prefeitura de sua cidade, a atleta acredita que conseguirá “transformar em reticências o futuro ponto final” de sua carreira, ao ajudar alunos e, por tabela, aqueles que os cercam.
“Temos vários talentos, mas não basta ter talento. Precisamos de estrutura ao redor, em especial da família. E o esporte sempre pode ajudar nessa missão”, conclui.
Organizados pela Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU), os JUBs registraram quase 8 mil inscrições, entre atletas, comissão técnica, profissionais da saúde e voluntários, para a atual edição que se encerrará no próximo domingo (25).
Participam das competições atletas de 18 a 25 anos regularmente matriculados em uma instituição de ensino superior e previamente selecionados nas seletivas estaduais. Ao todo, 28 modalidades fazem parte do cronograma esportivo do evento, entre acadêmicas, olímpicas, paralímpicas e eletrônicas.
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