Maria Carliane Sousa, 17, chegou a assistir aula dando de mamar para sua filha
A presença de um bebê de colo na porta de entrada do CITS Jangurussu parecia tão inusitada quanto sugestiva. Maria Carliane Sousa, 17, a mãe, amamentava ali mesmo, rente ao muro, enquanto uma amiga e vizinha esperava para seguir com Ana Helena, de um ano e dois meses, de volta para casa. Ciente da importância de não levar falta justo na fase do projeto Virando o Jogo em que teria noções de empreendedorismo, eis o único jeito encontrado para ter acesso a uma capacitação profissional sem deixar de olhar pela filha, ao mesmo tempo em que faria cumprir a orientação dos instrutores do Senac para não levar crianças ao ambiente de sala de aula.
“A gravidez foi inesperada e acabei tendo que interromper meus estudos no Ensino Médio pra cuidar da minha filha. Mas o sonho de voltar a estudar para cursar Enfermagem ainda tá aqui na cabeça. Pra isso, preciso ter uma experiência profissional antes, aprender coisas novas. E é aí que entra o Virando o Jogo, trazendo essa chance de continuar os estudos e aprender uma profissão para que eu possa dar uma vida digna a minha filha”, conta a mãe de primeira viagem que também vibra por ter uma ajuda de custo a cada mês justo quando o companheiro perdeu o emprego e não há como contar com o pouco que o pai pedreiro tem recebido pelos bicos.
Jéssica Pereira, 19, tem uma filha de três anos, Ana Lívia
Como Carliane, Jéssica Pereira, 19, também é mãe e se vê desafiada a deixar a filha Ana Lívia, de três anos, aos cuidados de parentes para adquirir noções básicas na área da Administração. “Quero muito continuar a estudar e me formar em Pedagogia, mas também não tenho com quem deixar minha filha se um curso profissionalizante exigir muito de mim, então sonho com o dia em que projetos sociais como o Virando o Jogo, que é tão bom, possa oferecer também um espaço recreativo pras nossas crianças enquanto a gente se prepara melhor para dar um futuro para elas”, sugere a jovem.
Potente em sua múltipla vocação comunitária, o CSU Palmeiras rejuvenesceu com a chegada do projeto Virando o Jogo e aquele entra-e-sai de jovens moradores do bairro que passaram a usar alguns espaços do prédio como sala de aula. Um deles, Paulo Carléssio, 16, conta que trabalha desde criança, dada a persistente condição de vulnerabilidade social em família, mas sempre gostou mesmo foi de estudar, ler e escrever. E assim é que vibrou com a descoberta de cursos profissionalizantes ofertados através de uma política pública estadual voltada à juventude da periferia e que também contemplaria formação cidadã, atividades culturais e esportivas.
Paulo Carléssio, 16, conta que trabalha desde criança, por conta da condição de vulnerabilidade social em família
“Apesar de ter várias iniciações profissionais para nossa escolha, como Assistente Administrativo, a área que escolhi, o que eu mais queria mesmo era voltar a uma sala de aula, aprender algo novo, recomeçar uma história escolar muitas vezes interrompida por dificuldades financeiras. E agora que virei pai de uma menininha de oito meses o nó apertou mais. Então essa chance de unir o útil ao agradável, já que a gente recebe uma ajuda de custo, foi como um sol que se abriu porque vou ter condição para comprar alimentação e vou me esforçar para também conseguir trabalho quando finalizar a formação profissional”, planeja, em tom de maturidade precoce, o moço de óculos que já vendeu merenda na rua e é fã de clássicos da literatura.
Mil likes para o Senac. Quando a ordem é profissionalizar, o principal parceiro do projeto Virando o Jogo abraça jovens dos mais diversos bairros da periferia da cidade em sua superestrutura originalmente desenhada para o ensino-aprendizagem. Enquanto o Centro da cidade ferve lá fora em suas múltiplas funcionalidades, lá dentro não há menos pluralidade de demandas ou desejos: em salas de aula devidamente equipadas para capacitações profissionais específicas, há desde jovens que miram a profissão de assistente administrativo aos que querem se tornar vendedores, fotógrafos, salgadeiros, barbeiros, eletricistas, pizzaiolos, manicures, maquiadores ou montadores de computador, entre outras áreas de atuação.
Cailane Rodrigues Falcão, 16, já mostra talento para seguir como manicure
Juntos e misturados, revisitam sonhos, incrementam os próprios “corres” e apostam em novas habilidades capazes de ampliar as oportunidades de trabalhos e transformar suas realidades. Que o diga Cailane Rodrigues Falcão, 16, que já mostra talento para seguir como manicure, mas quer mesmo é não desistir do plano de vestir beca e se formar advogada, caminho que traçou para tornar possível a redenção de toda a família. “Eu hoje praticamente sustento a casa com a bolsa que ganho no projeto. Moro com meu companheiro e minha filha de seis meses. Mas tenho muitos familiares presos: mãe, irmã, irmão. Queria ajudar. Se não der, quero montar um salão próprio em casa com uma amiga e criar a minha filha”, confidencia a jovem e franzina moradora do Pirambu.
Lara Késsia Gomes, 20, é aluna de fotografia
Naquela tarde, houve ainda aula de fotografia, com direito a ensaio fotográfico nos jardins do Senac. É que não havia melhor forma para entender, na prática, como medir e dominar a temperatura da cor. Encantada com os inúmeros recursos de uma Canon profissional, Lara Késsia Gomes, 20, fotografou e se deixou fotografar, entendendo ali a diferença abissal entre a câmera do celular e a máquina fotográfica. “Sempre sonhei em cursar Medicina. E tô juntando o dinheiro da bolsa que ganho no projeto Virando o Jogo para ano que vem pagar um cursinho de pré-vestibular. Mas confesso que aqui descobri uma segunda vocação: a de ser fotógrafa. Quero levar pra vida, trabalhar com isso também e, quem sabe, até voltar ao Senac para aperfeiçoar a técnica”, planeja a futura médica e fotógrafa que também está às voltas com um curso técnico de assistente administrativo. Tudo para não ter que voltar a vender trufas na rua e nem reviver imagens de um passado cravado de provações e faltas.
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