Neste Dia Internacional da Mulher, conheça a trajetória de uma haitiana que decidiu deixar o seu país de origem para buscar uma nova vida no Brasil e teve que enfrentar o desemprego, o preconceito e a exclusão — problemas que atingem boa parte dos imigrantes quando chegam por aqui. Segundo a Polícia Federal, o país abriga um total de 541.082 mulheres estrangeiras nesta condição, mas não há dados sobre onde vivem hoje e do que precisam.
De acordo com Edna Nunes, fundadora do projeto social Embaixada Solidária, que já acolheu cerca de 3 mil imigrantes de 14 nacionalidades em Toledo, no interior do Paraná, as mulheres são as mais afetadas por serem as que mais sofrem com a barreira linguística.
"Os homens estão inseridos na sociedade de forma mais democrática — conseguem emprego mais facilmente, saem muito mais de casa e estão muito mais expostos ao português, de forma geral", afirma. "Quando uma mulher tem dificuldade com o idioma, ela vai ter todas as outras dificuldades: acessar o mercado de trabalho, a saúde, a educação, além de ficar exposta a todos os tipos de violência, porque vai ter que depender de pessoas que nem sempre são confiáveis."
A barreira linguística foi a maior dificuldade da haitiana Mive-Kerline Emmanuel, de 24 anos, a primeira imigrante acolhida na Embaixada Solidária em 2014. Mevi, como ficou conhecida, atualmente fala português, mas conta que no início "era como se estivesse em outro mundo". "Às vezes, eu chegava em um lugar público, principalmente hospital, e não conseguia atendimento porque não falava português. Ficava apavorada."
Segundo Edna, o Brasil é geralmente a terceira ou quarta alternativa das mulheres que pensam em imigrar. Além do fato de as políticas públicas do país não abrangerem os estrangeiros — uma vez que não há sequer tradutores nos postos e hospitais —, os empregos disponíveis para essas pessoas são precários e escassos, sobretudo para mulheres. Ainda assim, elas escolhem migrar pois a realidade daqui é um pouco melhor do que a de seus países de origem.
"A maioria das mulheres que migram são jovens entre 18 e 35 anos que têm em comum o desejo de recomeçar a vida”, afirma. "São mulheres que geralmente estão em busca de melhores oportunidades ou fugindo de perseguições religiosas e políticas em seu país de origem."
Mevi, por sua vez, foi motivada pela vontade de fazer faculdade fora de sua terra natal, mais especificamente nos Estados Unidos. Por não conseguir o visto, ela botou em prática o plano B e embarcou para Quito, no Equador, onde teve um breve relacionamento e engravidou de seu primeiro filho, hoje com 5 anos de idade.
Ainda durante a gravidez, a haitiana chegou à São Paulo e logo percebeu que a situação não era exatamente como imaginava. O dinheiro que recebia do pai — cerca de U$ 100 mensais — era o suficiente para cobrir as despesas de alimentação, aluguel e nada mais. Com isso, ela abandonou a ideia de fazer faculdade e começou a procurar emprego, uma busca que durou cerca de dois anos.
"Em São Paulo, conheci meu atual marido, também haitiano, com quem tive uma filha, hoje com três meses de vida. Foi com o salário dele e com a renda que obtinha fazendo tranças, uma de minhas paixões, que consegui me manter durante o tempo em que estive desempregada", conta Mevi.
"Só consegui um trabalho de carteira assinada quando me mudei para Toledo com meu marido, após um amigo sugerir que havia oportunidades para imigrantes na cidade. As empresas ou diziam que não contratavam estrangeiros ou que não tinham vagas para mulher. Felizmente, foi nessa época que conheci a Edna. Ela me ajudou no momento em que mais precisei", completa.
Atualmente, a jovem trabalha em uma empresa do ramo alimentício e conseguiu se estabilizar financeiramente. Apesar de todas as dificuldades, ela garante que hoje gosta do Brasil e não desistiu de morar no país, como muitos de seus conterrâneos.
"Estou há sete anos no Brasil e não me arrependo de ter imigrado para cá. Hoje estou estabilizada e feliz. Quando eu chego nos lugares, consigo falar e as pessoas me entendem. Aprendi muita coisa que não conhecia. Não imagino a minha vida fora daqui", afirma a haitiana.
Para Mevi, são muitas as diferenças entre o Brasil e seu país de origem. A principal delas, no entanto, talvez seja o fato de que aqui as mulheres têm a escolha de trabalhar. "Quando trabalhamos, ninguém pode mandar em nós. Lá no Haiti, muitas mulheres que estão em relacionamentos abusivos se vêm obrigadas a continuar naquela situação. Vai fazer o quê? Vai para onde? Não tem emprego para elas", diz.
"Além disso, no meu país, as leis de proteção contra a mulher não funcionam — e muitas mulheres não têm conhecimento sobre essas leis. Como consequência, elas vêm para o Brasil achando que a realidade daqui é a mesma de lá. Apanham caladas, não denunciam. Para que as imigrantes haitianas tenham uma vida mais digna, é preciso que elas se conscientizem que estão amparadas pela lei", completa.
Edna concorda — e acrescenta ainda que antes de serem vistas com um "olhar burocrático", mulheres imigrantes devem ser vistas com um "olhar de respeito". "É preciso olhar para nossos estrangeiros com acolhimento e procurar tornar o mundo um lugar mais confortável para eles. Isso vale sobretudo para mulheres, que já têm tantas outras lutas, estão deslocadas de sua cultura, de seu povo, longe de seus familiares e, muitas vezes, não têm como voltar."
A haitiana está há sete anos sem ver a família — os pais e os quatro irmãos, que ainda não conhecem seus netos e sobrinhos. A vontade de visitá-los é grande, mas para isso, ela teria que comprar uma passagem de avião, algo que ainda não está a seu alcance.
“Um dia vou conseguir esse dinheiro. Tenho muitos planos — quero ter uma casa própria, comprar um carro e poder dar uma vida melhor para os meus filhos", afirma. "O Brasil que eu imagino para eles no futuro é onde as mulheres não se calem, todos se respeitem e as pessoas possam conviver em paz. Espero ainda que um dia as pessoas revejam aquele velho pensamento de que imigrantes estão 'roubando' os empregos dos nativos. Nós estamos apenas tentando sobreviver — e afinal, não estamos todos?".
*Estagiária do R7 sob supervisão de Pablo Marques
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