Valor mínimo para a remuneração de uma categoria profissional, o piso salarial é uma das matérias que mais incitam debates e manifestações quando em análise no Parlamento. No Senado, os parlamentares debruçam-se sobre vários projetos que buscam garantir valores mínimos aos trabalhadores de diversas categorias.
A Constituição Federal determina no inciso 5º, do artigo 7º, que é direito dos trabalhadores, urbanos ou rurais, o “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”. Mas uma das grandes preocupações quando se analisa esse tipo de matéria é de onde virão os recursos para garantir que o piso seja cumprido.
Caso emblemático está sendo acompanhado há dois anos, quando foi aprovado nas duas Casas e sancionado o piso salarial da enfermagem. O Congresso promulgou em julho de 2022 a Emenda Constitucional 124 , que instituiu um piso salarial nacional para a categoria. No mês seguinte, em agosto daquele ano, foi aprovado o piso nacional da enfermagem ( Lei 14.434, de 2022 ), a partir de projeto proposto pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES). Contudo, o direito legal não se fez valer de imediato.
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a aplicação da lei no mês seguinte à sanção, pelo fato de o Congresso não ter apontado a fonte dos recursos para os gastos relativos aos pagamentos de profissionais da saúde pública, conforme exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal ( Lei Complementar 101, de 2000 ) e do próprio Orçamento federal.
Por isso, em dezembro de 2022, as Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados promulgaram a Emenda Constitucional 127 , que prevê repasse a ser realizado pela União aos entes federados, tendo o Fundo Social como a origem dos recursos para cumprir o piso salarial.
Mas, para o STF, não houve esclarecimento quanto aos impactos financeiros da medida, e o que demandava regulamentação por outra lei federal. Em maio de 2023, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou sem vetos a lei que permite ao governo federal transferir R$ 7,3 bilhões para estados e municípios pagarem o novo piso da enfermagem ( Lei 14.581, de 2023 ).
Para viabilizar essa transferência, a lei abre crédito especial no Orçamento da União, de forma que o montante seja financiado pela capitalização do Fundo Social, instituído pela Lei 12.351, de 2010 .
A Lei 14.434 estabeleceu R$ 4.750 como valor mínimo mensal que a iniciativa privada ou pública deve pagar aos enfermeiros. Os técnicos de enfermagem não podem receber menos do que 70% desse montante, ou seja, R$ 3.325, e os auxiliares de enfermagem e as parteiras, 50%, o que equivale a R$ 2.375.
De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), existem atualmente 1,7 milhão de enfermeiros, auxiliares de enfermagem e técnicos de enfermagem na ativa que poderiam ser beneficiados com a fixação do piso salarial. Se no setor público o cumprimento do piso vem ocorrendo na grande maioria dos casos, no setor privado o piso salarial ainda está atravancado.
— Passados dois anos da aprovação da lei, no setor público que recebe o apoio financeiro do governo federal, a grande maioria dos profissionais está recebendo — [apenas] uma minoria não [conseguiu] por conta de questões burocráticas no recebimento do fundo. Mas entendemos que está praticamente resolvido. Agora, no setor privado, devido a decisão liminar do STF, na discussão de constitucionalidade do piso, o que está em vigor é que ocorram as negociações coletivas entre o sindicato patronal e o profissional. E aí nós temos uma grande quantidade de profissionais que atuam nesse seguimento que ainda não estão recebendo por conta dessa restrição imposta pelo STF — diz o vice-presidente do Cofen, Daniel Menezes.
A decisão do STF permite, inclusive, que nos acordos sejam negociados pisos regionalizados, o que, segundo Menezes, leva a divergência de valores para a mesma profissão em diversas regiões do país. Ele acrescenta que mesmo assim houve ganhos.
— Melhorou principalmente para aquele grupo de profissionais de enfermagem que recebe salário menor, que são os auxiliares e técnicos. Boa parte deles recebiam subsalários — enfatiza Menezes.
Outra proposta que fixa piso salarial está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Ela regula o exercício da profissão de técnico em eletricidade e eletrotécnica e estabelece o piso.
O PL 1.071/2021 , apresentado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), recebeu relatório favorável do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) e, após a concessão de vista coletiva, a discussão da matéria foi adiada para 6 de agosto, a partir de requerimento do senador Sergio Moro (União-PR).
Conforme a proposta, para trabalhar como técnico em eletricidade e eletrotécnica, será preciso ter concluído o ensino médio e o curso técnico em eletricidade, eletrotécnica ou área similar. Os que já atuavam na área há mais de três anos poderão continuar desenvolvendo as atividades profissionais. Mecias ajustou o piso salarial da categoria para R$ 2.701.
A regulamentação, segundo o relator, “desempenha um papel fundamental na proteção e na valorização do profissional, organizando o seu mercado de trabalho e fomentando o seu contínuo desenvolvimento técnico”. Após análise na CAE, o projeto será avaliado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
Em reunião da CAE, o senador Izalci Lucas (PL-DF) lembrou que a definição de piso salarial pode refletir muito no mercado de trabalho.
— Mas, nesse caso especificamente, como o valor é muito baixo, vamos dizer assim, muito próximo do salário mínimo, então talvez não tenha tanta consequência. Mas a gente tem que ter muito cuidado com relação ao mercado e com o próprio governo mesmo. Basta ver o exemplo do que nós fizemos recentemente, com o piso da enfermagem, que até hoje está provocando questões no Supremo, e muitas empresas ainda não o pagam. Então, a gente tem que ter esse cuidado com relação ao piso — disse Izalci.
Já o senador Moro afirmou queinterferências na economia têm que ser muito bem ponderadas, inclusive no que se refere à regulamentação de atividade profissional.
"Porque, quando se estabelece uma regulamentação dessa espécie, na prática acaba se excluindo a possibilidade de que outras pessoas que não se enquadrem ali no rol específico possam exercer a profissão. (...) Do outro lado, por exemplo, coloca-se um piso salarial. A gente está mandando um recado para o mercado de que a negociação dos termos remuneratórios para essa profissão pode ter como baliza esse valor. Isso pode ter um efeito contrário ao pretendido, de se evitar um salário baixo, sugerindo um salário, muitas vezes, inferior àquele que [o trabalhador] conseguiria numa livre negociação", disse Moro.
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), há o PL 2.693/2020 que trata de piso salarial, também proposto pelo senador Fabiano Contarato. Pela proposição, o piso para a categoria dos assistentes sociais seria de R$ 7.315, com base em jornada de trabalho de 30 horas semanais.
Conforme o Conselho Federal de Serviço Social, o Brasil conta atualmente com cerca de 188 mil assistentes sociais, o que o coloca na segunda posição do ranking de países com maior número de profissionais da área de serviço social, segundo Contarato.
“É de se surpreender que, mesmo a profissão tendo sido regulamentada ainda na década de 50 do século passado, não há definição legal de um salário-base para a categoria, o que faz com que esses importantes profissionais sejam remunerados muito abaixo do mínimo justo. É o que este projeto pretende corrigir”, afirma o autor da proposta.
Uma outra proposta, de iniciativa da Comissão de Direitos Humanos (CDH), a partir de sugestão feita pelo e-Cidadania, estabelece piso salarial de R$ 4.800 para uma jornada de trabalho de 30 horas semanais em favor dos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.
A sugestão que deu origem ao PL 1.904/2023 foi acolhida pelo relator, senador Contarato, para quem “não há razão plausível para a existência de tamanha disparidade salarial”, entre o que é pago aos fisioterapeutas e terapeutas e outros profissionais da área de saúde.
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