A inclusão de uma medicação no Sistema Único de Saúde (SUS) para os pacientes de forma tardia da doença de Pompe - uma condição ultra-rara e que precisa do remédio para ser controlada, tem sido o centro de um impasse entre entidades que representam a sociedade e o órgão que avalia a inclusão de novas tecnologias, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). A alfa-alglicosidase é a única tecnologia aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e está disponível pelo SUS apenas para a forma precoce da doença (diagnóstico até os 12 meses de idade).
O medicamento já foi avaliado em três momentos diferentes pela comissão, nos anos de 2019, 2021 e 2022, tendo recebido parecer desfavorável para a forma tardia em todas as vezes. A decisão final negativa mais recente, de nº 46/2022, foi publicada no Diário Oficial da União do dia 27 de setembro. Associações de pacientes como a Crônicos do Dia a Dia (CDD) e a Associação Brasileira de Doença de Pompe (AbraPompe) vêm pedindo a realização de uma audiência pública, para que ocorra um diálogo direto entre o órgão e a sociedade. “É importante que considerem que a falta do tratamento pode levar a uma piora da doença, causando insuficiência respiratória progressiva e podendo deixar o paciente sem autonomia para se locomover ou até mesmo para respirar”, explica o pediatra e alergista Welton Correia Alves, presidente e um dos fundadores da AbraPompe, que convive com o diagnóstico desde 2011.
A doença de Pompe é uma condição crônica e hereditária, que afeta uma a cada 40 mil pessoas no mundo. No Brasil, dados da AbraPompe estimam que 170 pessoas possuem o diagnóstico e estão em tratamento, ou em busca dele. O medicamento repõe as enzimas faltantes nas pessoas acometidas, preservando as funções muscular e cardíaca, habitualmente deterioradas na doença.
Entre os principais argumentos da Conitec para o parecer desfavorável estão as evidências científicas reduzidas e modestas para um alto custo de tratamento. “[A medicação] reduz a mortalidade na doença de Pompe de início tardio em 59% e pode ter algum efeito na qualidade de vida dos pacientes”, diz um trecho do relatório da Conitec. O órgão afirma que, embora os estudos demonstrem a eficácia da droga, há uma baixa qualidade metodológica apresentada.
Segundo Welton, este assunto volta a ser discutido com críticas aos estudos existentes e com o argumento da necessidade de evidências mais robustas. “Sabemos que as doenças ultra-raras, devido ao pequeno número de pacientes, não têm a mesma facilidade de outras condições de saúde para chegar a evidências robustas. Mesmo assim, os artigos apresentados revelam menos mortes, estabilidade ou melhora do quadro respiratório, melhora do Teste de Caminhada e, consequentemente, maior qualidade de vida”, analisa.
A neurologista Raquel Vassão, Líder em inovação científica da CDD, comenta sobre a necessidade de encontrar maneiras de se interpretar os dados científicos em doenças ultra-raras, bem como desenhos de estudos capazes de demonstrar os atributos das drogas pesquisadas. “Alguns estudos, como este publicado na revista Orphanet Journal Rare Disorders, têm mostrado essa necessidade, buscando eficiência quando se fala em doenças ultra-raras. Não é incomum que façam críticas às evidências apresentadas, mas é importante determinar com clareza a forma de avaliação destas evidências pois muitas vezes trata-se do estudo possível, do único medicamento que existe para essas pessoas”, comenta.
Limiar de custo-efetividade entra em debate
Quanto à questão econômica, foi apresentado à Conitec uma proposta com redução de preço, mas o órgão diz que existe um alto custo previsto. Apesar da recente CP de custo-efetividade, ainda não há um limite financeiro estabelecido, como o do Reino Unido, por exemplo. “Este é um caso que mostra a importância de estabelecer uma faixa de valores possível para pagar por uma tecnologia. Além de determinar regras de interpretação de dados econômicos e científicos na análise de incorporação de novas tecnologia, é importante lembrar que, mesmo quando há limites financeiros estabelecidos, há falhas na incorporação e dificuldade nas interpretações dos dados. Por isso é preciso ter critérios, tanto para uma regra geral, quanto para os desvios", comenta Raquel. Segundo ela, o limite estabelecido para o custo de cada remédio deve considerar a gravidade de cada doença e a sobrevida que o medicamento trará para as pessoas.
Para o advogado sanitarista e consultor em advocacy, Paulo Benevento, consultor do projeto A Regra É Clara, a Conitec fala do alto custo do tratamento, mas não informa um parâmetro que estabeleça o que é elevado demais e o que a sociedade está disposta a pagar para obter esse benefício. “Há necessidade dos critérios utilizados serem pensados para este tipo de condição e isso nem sempre acontece", diz.
Outro destaque no debate de uma possível incorporação para a alfa-alglicosidase é a alta taxa de judicialização da tecnologia, que acaba sendo a via encontrada pelos pacientes para conseguirem a medicação. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostrou que os casos cresceram mais de 50% entre 2015 e 2020, aproximando-se de meio milhão em 2021. No caso da alfa-alglicosidase, a avaliação da Conitec discorda que o impacto orçamentário da judicialização seja maior que o da incorporação, uma vez que foi realizado um levantamento em fevereiro de 2021, que indicou um custo similar entre as duas.
Para Raquel, a judicialização das medicações em geral aumenta o valor delas. “A restrição do acesso a um tratamento é contra a Lei 8080/90, que regulamenta o SUS e as regras da assistência farmacêutica habitualmente não são cumpridas em todos os seus prazos e passos, relativo à análise de tecnologias. Quando há o risco de todos ou a maioria dos pacientes resolverem judicializar, a incorporação acaba sendo mais em conta para a sociedade”, detalha.
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