A última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada ao final do mês passado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), confirmou o aumento da violência e a recorrência dos crimes contra a população LGBTQIA+. Em todo o país, com base em dados tabulados nos anos de 2020 e 2021, houve alta de 7,2% nos homicídios dolosos, 35,2% nas agressões e 88,4% nos estupros. Em números absolutos, 179 pessoas desta comunidade foram assassinadas em 2021, outras 179 foram violentadas sexualmente e mais 1.719 sofreram agressões.
Estas agressões aparecem com mais força na pesquisa da organização de mídia Gênero e Número, com apoio da Fundação Ford. Ela aponta que mais de 90% das pessoas LGBTQIA+ no Brasil relataram ter sofrido algum tipo de violência recentemente. Desta porcentagem, 51% alegaram ataques relacionados à orientação sexual ou à identidade de gênero. E destas, 94% sofreram violência verbal. Em 13% dos casos, as ocorrências foram de violência física.
Mesmo com a LGBTfobia sendo criminalizada no Brasil desde 2019, estes ataques são vividos no dia a dia destas pessoas, em meio a muitas outras situações de preconceito, discriminação e hostilidade. Uma delas foi vivida pelo gastrônomo Felipe Pacheco, 26 anos, que já era alvo de ofensas e provocações desde a fase escolar. Em fevereiro do ano passado, ele teve os pertences roubados ao sair do trabalho por um homem que, além das ofensas, dizia que matava homens gays por prazer. Descobriu-se depois que esse suspeito tinha o costume de praticar “terror psicológico” ao seduzir estas vítimas em uma área movimentada de Maceió (AL).
“Quando isso aconteceu, eu contei não só para amigos, mas relatei em redes sociais. Eu consegui foto dele, fiz uma movimentação nas redes e, por causa disso, várias vítimas dele vieram falar comigo. Após a minha denúncia, ele foi condenado e está preso até hoje”, conta Felipe, atribuindo sua decisão de denunciar ao sentimento de raiva pelo que aconteceu com ele e com outros homossexuais. “Estava cansado e queria fazer justiça às outras vítimas que não tiveram coragem por questões familiares, por não serem assumidas e não quererem se expor. A maioria dessas vítimas era composta por homens bem mais velhos, atraídos pela carência e falta de afeto, muito presentes no meio”, explica.
Após o episódio, Felipe ainda revelou que ficou com medo de andar na rua e de alguma situação semelhante acontecer com ele, mas que, apesar disso, conseguiu encontrar forças para seguir em frente.
Transfobia no ambiente escolar
Quando o estudante Isaac Victor de Oliveira tinha 14 anos, passou por uma série de agressões verbais, morais e físicas por expressar a sua identidade de gênero na escola. O ápice se deu quando uma das alunas que estudava com ele chegou às vias de fato, após se negar a chamá-lo pelos pronomes masculinos e pelo nome social.
“Como eu repudiei as falas, ela levantou e me empurrou em direção às bancas da sala. Ela chegou a jogar cadeiras em cima de mim, me chutou e continuou desrespeitando meus pronomes masculinos e meu nome social. Depois que conseguiram fazer com que ela parasse, fui levado junto com ela para uma sala fechada onde não pude entrar em contato com minha mãe por cerca de duas horas”, revela.
Após a mãe de Isaac tomar conhecimento do episódio e da negligência da escola em não comunicar o ocorrido ao Conselho Tutelar, a denúncia foi realizada na delegacia. Ao final dos trâmites legais, a responsável pela agressão foi condenada a prestar serviços comunitários. Já a adolescente e a família ficaram impedidas de se aproximar de Isaac mediante uma medida protetiva. “Sem o apoio que tive da minha mãe, acredito que teria desistido de frequentar a escola bem novo e não teria me tornado a pessoa que sou hoje, que luta em prol das pessoas trans”, afirmou ele, que hoje tem 19 anos.
Direitos da população LGBTQIA+
Já o advogado Geovanny Souza, membro da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem do Advogados do Brasil seccional Alagoas (OAB/AL), também já sofreu homofobia durante a fase escolar e, atualmente, luta em prol da comunidade por meio da sua profissão. Ele faz o alerta que os crimes lgbtfóbicos devem ser denunciados, mesmo que não ocorram por meio de agressão física.
“A LGBTfobia deve ser denunciada na primeira ocorrência, pois a partir da primeira situação, é um fio para as agressões (sejam elas físicas ou verbais) se intensificarem e chegarem a um patamar mais grave. Se faz necessário também que o crime seja registrado nos Boletins de Ocorrência para que dados sejam gerados e, consequentemente, chamem a atenção do poder público para a elaboração de políticas públicas”, explica.
Como denunciar
A professora Vivianny Galvão, do curso de Direito do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas), reforça a necessidade de comunicar os casos de violência, ao dizer que as vítimas podem realizar o Boletim de Ocorrência em delegacias de Polícia Civil ou pela internet, no https://delegaciavirtual.sinesp.gov.br/portal/. Outra forma de denunciar é pelo telefone, através do 190 (Polícia Militar) ou do Disque 100 (Disque Direitos Humanos).
Em caso de crimes ocorridos na Internet, ela afirma que a denúncia pode ser feita no portal Safernet (https://new.safernet.org.br/denuncie) e que mais orientações sobre como agir ao ser vítima de LGBTfobia pode ser acessadas no app TODXS.
“A depender da forma da agressão (física, verbal ou moral), a comprovação pode ser mais ou menos difícil. Por isso, é importante que a vítima busque juntar o máximo de evidências possíveis da agressão. Desde prints de conversas e postagens em redes sociais, áudios até realização de corpo de delito. Para quem comete LGBTfobia, a pena é de um a três anos, além de multa. E se houver divulgação ampla de ato de lgbtfobia em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena é de dois a cinco anos, além de multa”, esclarece Vivianny.
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