Na terça-feira (26), debatedores apresentaram argumentos opostos durante audiência pública na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) sobre medidas antidumping em importações de folhas metálicas de aço da China, conforme estabelecido pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
De acordo com os convidados, essas medidas seguem procedimentos técnicos adotados por muitos países para combater a deslealdade no comércio, mas também podem gerar aumento de custos e até desabastecimento, prejudicando empresários e consumidores.
Mais caro
A adoção de sobretaxas na importação de folhas metálicas de aço, usadas na produção de embalagens, pode gerar aumento de 3,1% a 5,1% nas gôndolas dos supermercados, sobretudo os produtos enlatados que compõem da cesta básica, gerando prejuízos para o consumidor, especialmente o de baixa renda. A avaliação é da presidente executiva da Associação Brasileira de Embalagem de Aço (Abeaço), Thais Fagury de Sá.
Na opinião da executiva, o aumento de preços teria impacto sobre o leite em pó, sardinha, ervilha, milho, extrato de tomate, leite condensado e achocolatado, a ainda nos segmentos de tintas, tampas para embalagens diversas e rolhas metálicas para cervejas e refrigerantes, entre outros.
— São os mais diversos segmentos que vão ser impactados com uma medida como essa. Infelizmente, esses são os impactos que a gente vai ter na cadeia, no consumidor final. Não são impactos única e exclusivamente nas indústrias fabricantes das latas de aço, mas são impactos com certeza que vão ser sentidos no bolso do consumidor final, desde alimentos básicos até itens primários para o consumidor. O produto enlatado hoje é de extrema importância, principalmente quando a gente considera zonas de difícil acesso e impactos relacionados a energia elétrica — assegurou.
Em sua fala, além de citar estudo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) que aponta o aumento dos preços para o consumidor, Thais destacou que o aço representa cerca de 70% do custo da embalagem para o setor fabricante de latas. Ela também apontou o monopólio na produção de folhas metálicas de embalagem no Brasil. Segundo afirmou, o valor do aço no mercado interno, “infelizmente, é muito mais caro que no mercado internacional como um todo, e não só em relação ao mercado da China, o que tira o poder de compra do consumidor brasileiro”.
A audiência pública foi realizada por iniciativa do senador Jorge Seif (PL-SC). Ele ressaltou que o debate reúne temas interligados, que envolvem a preservação do mercado nacional e o controle de custos para cumprimento das metas fiscais, além da adoção, em um cenário macroeconômico, de medidas protecionais para proteger as empresas nacionais, temas recorrentes em muitos países.
— Estamos acompanhando o que está ocorrendo, por exemplo, com os agricultores na França , e há uma preocupação com o controle da inflação e a manutenção do poder de compra, fatores essenciais para o desenvolvimento econômico do Brasil. O objetivo é ouvir os representantes dos setores diretamente afetados par buscar esclarecimentos sobre o tema e seus pontos de vista, e as entidades governamentais — disse Jorge Seif.
A diretora do Departamento de Defesa Comercial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Rafaela Noman, ressaltou que as medidas antidumping representam a adoção de sobretaxas nas importações com objetivo de neutralizar práticas desleais de comércio. Ela observou que o dumping é uma discriminação de preços que constitui uma prática desleal de comércio. E que regras internacionais estabelecem que o preço dos produtos exportados não pode ser inferior ao preço que as empresas exportadoras vendem no seu próprio mercado interno.
— Essas regras são aplicadas pelos diferentes países e todas as empresas que comercializam com os países membros da OMC [Organização Mundial do Comércio] estão sujeitas a essas regras. Não é por outro motivo, enfim, que a gente tem a China aplicando antidumping contra o frango brasileiro; os Estados Unidos aplicando antidumping contra as exportações de suco de laranja do Brasil. A própria CSN [Companhia Siderúrgica Nacional] sendo investigada [em razão de] aço sujeito a corrosão. Isso acontece porque todos os países do mundo aplicam as mesma regra com o objetivo de garantir um comercio leal entre os países. Essas regras são muito detalhadas e a gente está sujeito ao seu cumprimento — afirmou.
O debate na comissão contou também com a participação do diretor executivo da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), única produtora de folhas metálicas no Brasil e que fornece 75% da demanda para fabricantes de embalagens. Em sua apresentação, Luiz Fernando Martinez destacou que as medidas antidumping são mundialmente aplicadas. De acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), atualmente existem 2.277 medidas antidumping em vigor.
O Brasil é alvo de 41 medidas antidumping e aplica 131 contra produtos vindos de outros países. Nesse sentido, a China já é um dos principais alvos de medidas antidumping brasileiras. O país, por sua vez, já aplicou uma dessas medidas sobre carne de frango brasileira, que durou até fevereiro de 2024.
— Nós não somos nada diferentes do que está acontecendo no mundo, e os próprios chineses já aplicaram medidas contra o frango brasileiro. É algo técnico, é algo que não tem política, é regramento da OMC, fatos e dados — defendeu.
Entre as 2.277 medidas antidumping em vigor no mundo, a China é responsável por 107. Os 10 países que mais aplicam medidas antidumping — Estados Unidos (514), Índia (132), Brasil (131) Turquia (125), União Europeia (120), Canadá (116), Argentina (108), China (107), México (81) e Tailândia (58) — respondem por 1.492 medidas, o que representa 65.5% das medidas em vigor.
Diante disso, fica evidente que grandes economias se utilizam das medidas antidumping para proteger suas indústrias e mercados nacionais de práticas desleais, concluiu Martinez em sua apresentação.
Na avaliação do presidente das Indústrias Reunidas Renda, Italo Renda Filho, é preciso separar a siderúrgica brasileira do problema do monopólio da folha de flandres.
— São dois itens totalmente diferentes que, infelizmente, estão sendo colocados no mesmo cesto, um problema que, na realidade, não se pode colocar. Porque [em relação à] siderúrgica nacional, todos nós somos a favor de ser blindada em função do que acontece no mundo, isso sem dúvida nenhuma. Porém, a indústria, que é um monopólio brasileiro e que afeta mais de 200 mil empregos por ter condições diferenciadas do mercado internacional, deixa a gente muito preocupado, porque não é a China o único fornecedor de folhas metálicas para o Brasil. Eu importo do Japão, da Alemanha, da Índia. E da Alemanha eu pago até mais barato do que, às vezes, da China. Então, a minha média é muito equilibrada em função da logística que se deve ter, da distância que a Europa e a China têm em relação ao Brasil, e também em relação a alguns produtos que hoje a gente procura ter e que, às vezes, a gente não consegue ter no mercado nacional — argumentou.
Advogado e professor de Relações Internacionais da USP, Yi Shin Tang defendeu que algumas questões de interesse público devem ser levadas em conta na adoção de medidas antidumping. Ele citou a posição monopolista da CSN e a questão da não conformidade das folhas metálicas para as cadeias dependentes desse produto no Brasil.
— Algumas das empresas que importam folhas metálicas da China não o fazem apenas por questão de preço ou predominantemente por questão de preço. É por uma questão de conformidade. Inclusive, o produto da CSN não está homologado por diferentes importadores no Brasil. Se ela não está homologada, é porque talvez ainda esteja em processo de homologação, mas não se consegue consumir o produto da CSN por uma questão de conformidade. Ou seja, se a gente pensa numa questão de interesse público, se houver uma aplicação de sobretaxa antidumping, e essa empresa continua precisando do produto importado, ela não vai mais consumir produto nacional, porque o produto nacional não tem conformidade — ponderou.
Antes do início do debate, a CRA aprovou requerimento de Jorge Seif para a realização de uma segunda audiência pública sobre o tema, em data a ser definida pelo colegiado.
Para este debate, Jorge Seif propõe a participação dos seguintes convidados: