Em audiência pública nesta terça-feira (19), na Comissão de Educação (CE), os debatedores manifestaram ressalvas em relação ao projeto de lei (PL) 3.096/2024 , que inclui escolas da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica nos programas nacionais de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) e de Alimentação Escolar (Pnae). O texto prevê repasses anuais de recursos financeiros às escolas da rede federal no âmbito dos programas, e acrescenta também a possibilidade de terceirização dos serviços de alimentação escolar nas escolas federais que forem atendidas pelo Pnae.
De autoria da senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), o projeto foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em outubro, com relatório favorável do senador Flávio Arns (PSB-PR), e seguiu para a CE, que promoveu a audiência pública por iniciativa da senadora Teresa Leitão (PT-PE).
Coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda manifestou-se a favor da inclusão da rede federal de estudantes das áreas rurais no Programa Nacional de apoio ao Transporte Escolar (Pnate), desde que feita a realocação de recursos adequados para garantia da qualidade do serviço. Ela também defendeu reforço dos recursos financeiros consignados no Orçamento da União para execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), já repassados às escolas federais pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), mas disse ser “veementemente contrária” à terceirização do programa.
Andressa Pellanda destacou que o PL 3.096/2024 trata de dois programas complementares essênciais para a garantia de acesso, permanência e qualidade na área da educação. Ela apontou a dificuldade de fornecer transporte de qualidade aos alunos e a necessidade de maior financiamento para esse programa. A gente precisa incluir a rede federal, mas a gente precisa aumentar o valor per capita do Pnate, afirmou. Sobre o programa de alimentação escolar, ela acentuou que os recursos atuais não são suficientes para melhorar a quantidade e a qualidade da comida.
Ela destacou que a terceirização da alimentação escolar no Brasil corre o risco de violar princípios gerais orientadores sobre a obrigação dos estados em matéria de direitos humanos de fornecer educação pública, de regular a participação do setor privado na educação, de assegurar o direito à educação quando há privatização e do financiamento do setor privado por meio do setor público.
— A gente tem aí uma série de questões que precisariam de regulamentação, caso, em última instância, a gente quisesse terceirizar. E o PL é muito sucinto, inclusive em relação a isso. A gente vê que a questão da terceirização já não cabe, porque o Brasil tem amplas condições de fazer, a nível do setor público, essa gestão do Pnae — afirmou.
A coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação ressaltou ainda que a atuação do lobby do agronegócio na educação tem sido ampliada por meio de vários projetos de lei para mudar o programa nacional de alimentação escolar, “não em prol do interesse educacional e alimentar, mas em razão do interesse privado”.
Em sua fala, a senadora Professora Dorinha Seabra, que presidiu o debate, destacou que, tanto na rede estadual quanto na federal, em relação à alimentação e ao transporte escolar, a União entra com uma parte “muito pequena”.
— Quem garante o transporte escolar e a alimentação escolar para as redes estaduais e municipais é basicamente as prefeituras e os estados. A parte da União é pequena. E, obviamente, pensando no programa para a rede federal, não dá para ser os mesmos centavos para a União, porque senão a rede federal não tem quem vai subvencionar o restante. Quando a gente fala de pessoal, é preciso um olhar para ver como está funcionando hoje de verdade o sistema de ensino, chamar o pessoal para pôr o pé no chão. Há quanto tempo não tem concurso público na maioria dos estados e municípios para o profissional de apoio que lida com a alimentação escolar? — perguntou.
Teresa Leitão observou que o mérito do projeto é “inquestionável”, tendo em vista que o texto “desenhou” uma forma de contemplar a rede federal de educação e a educação básica.
— Na hora que o PL faz essa distinção, consegue resolver um impasse que pode, sim, ampliar os programas e mantê-los vinculados ao FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação], que é o gestor tanto do programa de transporte escolar quanto do programa de alimentação escolar, juntamente com os estados e municípios. E aí reside o dilema nosso. Os estados e municípios podem atuar em regime de colaboração. A União dá apoio técnico. São relações diferenciadas tanto do contexto legal e da própria prática que a gente verifica sendo seguida. O próprio FNDE é um órgão vinculado ao MEC [Ministério da Educação], um órgão federal, ele não atua diretamente, ele atua via estados e municípios. O projeto resolve isso, mas resolve com o repasse direto para os institutos federais de educação — destacou.
Diretor de Desenvolvimento da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica do Ministério da Educação (MEC), Charles Okama de Souza destacou que tanto o Pnae como o Pnate são programas fundamentais para a rede federal de ensino, no sentido de acesso e permanência dos estudantes no ensino, sobretudo no momento presente, em que o governo federal adotou uma política de expansão da oferta de educação profissional e tecnológica da rede federal, com perspectiva de abertura futura de 100 novos campi em todo o território nacional, o que exigirá a ampliação das políticas públicas.
Representante do Observatório da Alimentação Escolar (OAE), Luana de Lima Cunha elogiou o mérito do projeto, e disse que o texto apresenta a intenção de preencher uma importante lacuna na legislação atual, ao indicar caminhos sobre o apoio da União às instituições de ensino da rede federal para a oferta de alimentação e transporte escolar. Ela destacou ainda que, embora haja manifestações nas redes sociais contrárias à terceirização no Pnae, a prática já ocorre atualmente, com a condição de que o orçamento do programa seja utilizado exclusivamente para a compra de alimentos. A representante da OAE afirmou que a entidade tem posição favorável, com ressalvas, ao PL, propondo emenda modificativa que retire a menção à terceirização.
Agricultora familiar e secretária de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Vania Marques Pinto disse que a entidade é parcialmente favorável ao projeto. Segundo ela, os contratos terceirizados não cumprem com requisito de destinação de 30% dos recursos da agricultura familiar, o que desestimula o setor e gera perdas econômicas para as comunidades rurais. Ao destacar que boa parte da alimentação dos estudantes é feita nas escolas, Vania defendeu o fortalecimento do Pnae e disse que o programa favorece tanto quem produz como quem vai ser beneficiado pela produção.
Vice-presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) e reitor do Instituto Federal de Alagoas, Carlos Guedes ressaltou que o transporte e a alimentação são fundamentais para o acesso, permanência e conclusão do ensino pelos estudantes. Ele acentuou que uma das formas de gestão da alimentação escolar é a terceirização, a qual ocorre por meio de refeições transportadas, concessão dos espaços das cantinas e refeitórios das escolas e aquisição de alimentos da agricultura familiar, setor que considera fundamental para o fornecimento das refeições, além das parcerias mantidas com as prefeituras.
Diretor de Ações Educacionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Anderson Wilson Sampaio Santos disse ser favorável ao projeto, com ressalvas. Ele destacou que a rede federal de educação conta hoje com 360 mil alunos na rede básica de ensino. Seriam necessários R$ 184 milhões anuais para atendê-los de forma integral com recursos da alimentação escolar. Ele afirmou qeu a diretoria não dispõe desse orçamento e não repassa hoje o valor total de R$ 55 milhões.
— A terceirização não é vedada, apenas é desestimulada. A gente entende que alguns eixos, como educação alimentar e nutricional, são deixados de lado quando a gente trata de terceirização, da forma como é tratada. A alimentação escolar fortalece a agricultura familiar ali perto da escola, fortalece as produtoras mulheres que são arrimo de família, tem todo um contexto social que vai para além da sala de aula e a terceirização nos deixa um alerta sobre isso. A gente permite a terceirização apenas para a compra de gêneros alimentícios. Os outros serviços, como transporte, não podem ser utilizados com recursos do Pnae — concluiu.