A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou nesta quarta-feira (4) o projeto de lei que regula a doação de alimentos para reduzir o desperdício de produtos próprios para o consumo ( PL 2.874/2019 ). A proposta, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), recebeu um substitutivo do senador Alan Rick (União-AC) e deve passar por turno suplementar de votação no colegiado.
O texto original tornava obrigatória a doação de alimentos, o que foi alterado no relatório de Alan Rick. Para o relator, impor a doação de alimentos aos mercados fere o direito de propriedade, previsto na Constituição Federal.
O substitutivo cria a Política Nacional de Combate à Perda e ao Desperdício de Alimentos. O programa tem como objetivo promover a cultura da doação e contribuir para redução da insegurança alimentar.
— Consideramos pertinente e urgente a adoção de uma política de doação de alimentos que ao mesmo tempo combata o desperdício, incentive a participação ativa de segmentos que lidam com produtos alimentícios, aumente com segurança a oferta de alimentos à sociedade e estimule a população a praticar doações — disse Alan Rick.
De acordo com o texto, podem ser doados a bancos de alimentos, instituições e beneficiários alimentos naturais ou preparados (respeitada a segurança para consumo humano e as normas sanitárias) e mercadorias perecíveis ou não perecíveis embaladas e dentro do prazo de validade.
As doações feitas diretamente ao consumidor final devem ser acompanhadas por profissional que ateste a qualidade dos produtos entregues.
Pelo texto, o doador de alimentos só responde civilmente por danos ocasionados pelos alimentos quando houver dolo. Ou seja: quando houver a intenção de praticar ato criminoso. A proposta estabelece que a doação de alimentos não configura relação de consumo, “ainda que haja finalidade de publicidade direta ou indireta”. O relator excluiu do projeto a aplicação de multa em caso de descarte, sem justo motivo, de alimentos dentro do prazo de validade e próprios para o consumo.
O relator manteve a previsão de dedução do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas. Para estabelecimentos que realizem doações de alimentos dentro do prazo de validade e de produtosin naturaem condições de consumo seguro e na forma das normas sanitárias vigentes, o limite da dedução prevista será de 5%.
Rick incluiu no benefício fiscal as empresas que operam sob o regime de lucro presumido, que geralmente são empreendimentos de menor porte.
As pessoas jurídicas doadoras ficam obrigadas a prestar informações às autoridades fiscais e sanitárias sobre volume, tipo de alimento, valor, bancos e instituições receptores e beneficiários das doações.
A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) defendeu a aprovação do projeto, mas criticou o desconto de 5% na aplicação do tributo.
— Isso é um assunto que o Brasil tem que discutir: o desperdício de alimentos. O projeto é salutar. Mas não são as empresas que resolveram fazer doação de alimentos. Essas instituições não estão doando gratuitamente. Elas vão doar, mas vão ter redução de 5% — disse.
O senador Jorge Seif (PL-SC) defendeu a dedução.
— Na verdade, as empresas não estão ganhando nada. Hoje, como não tem regra clara, muitos alimentos próximos do vencimento são desperdiçados. Acho que não há nada de errado ou equivocado. Pelo contrário: a redução no pagamento de impostos é um incentivo para que os alimentos não se estraguem nas prateleiras ou nosfreezers— afirmou.
O substitutivo de Alan Rick impede a dedução do imposto de renda para doações de produtos fora do prazo de validade, hipótese que estava presente quando o texto foi aprovado na Comissão de Agricultura (CRA) . De acordo com a nova versão, alimentos fora da validade que ainda possam ser ingeridos podem ser encaminhados para fabricação de ração animal, compostagem e produção de biomassa para geração de energia.
Outra novidade trata dos “alimentos imperfeitos”, aqueles que apresentam defeitos estéticos que não interferem na qualidade nutricional. Segundo o projeto, o poder público deve realizar campanhas para incentivar a aquisição desses produtos.
— São especialmente os vegetais que estão fora do padrão estético com o qual estamos acostumados. É a cenoura que cresce com duas raízes em vez de uma, o pimentão um pouco retorcido, a maçã que não tem a forma perfeita. É a banana ou a uva que se separam do cacho e terminam no lixo — explica Alan Rick.
O substitutivo cria o Selo Doador de Alimentos para incentivar a participação de estabelecimentos no combate ao desperdício. O distintivo, com validade de dois anos, vale para empreendimentos que realizarem doações de acordo com a Política Nacional de Combate à Perda e ao Desperdício de Alimentos. A marca pode ser usada na promoção da empresa e dos produtos. O Poder Executivo deve divulgar na internet o nome das empresas que contam com o emblema.
O PL 2.874/2019 recebeu quatro emendas na CCJ, todas acolhidas pelo relator. O senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) sugeriu a ampliação da proposta para contemplar entre os doadores os estabelecimentos industriais.
O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) propôs a participação de agricultores familiares e empreendedores familiares rurais no sistema de doações de alimentos. O senador Beto Martins (PL-SC) sugeriu que produtores rurais, cooperativas e associações de produtores rurais possam receber o Selo Doador de Alimentos.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou uma emenda para adequar a redação do projeto à terminologia adotada por programas e decretos na área de segurança alimentar. Ele também sugeriu dispositivos para fortalecer a atuação dos bancos de alimentos.