Transplantado há 13 anos, José Flávio Nogueira só descobriu a hepatite B em estágio avançado, com diagnóstico de câncer hepático
Para o microempresário José Flávio Nogueira, 62, morador de Juazeiro do Norte, o período natalino ficou marcado como um tempo de grandes transformações. No dia 23 de dezembro de 2009, enquanto se preparava para participar de um culto de Natal, sofreu uma hemorragia seguida de uma convulsão e precisou ser levado às pressas para a emergência.
Depois de passar todo o período de festas de fim de ano em uma UTI, José Flávio Nogueira recebeu a notícia de que tinha câncer no fígado, em consequência de uma hepatite B.
“Recebi o resultado dos exames no dia 12 de janeiro de 2010 e o médico me encaminhou para o serviço de transplante. Recebi o fígado no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) no dia 14 de setembro de 2010”, recorda.
Entretanto, até que o transplante se realizasse, o caminho foi cheio de obstáculos. José Flávio estava em Juazeiro do Norte quando recebeu a notícia da disponibilidade do órgão, que estava em Fortaleza. Mas seria necessário chegar em, no máximo, 3 horas na capital cearense para realizar a cirurgia. Sem conseguir pegar um vôo comercial, o microempresário acabou conseguindo transporte no avião que trazia um rim para um transplante em Barbalha. Mas os desafios não acabaram aí.
“Ainda tive dois infartos ao realizar a videolaparoscopia, para verificar se havia metástase no meu corpo, em decorrência do câncer. Precisei implantar um marca-passo no meu coração. Mas no fim, deu tudo certo. Acredito que foi a poderosa mão de Deus que conduziu todo o processo do meu tratamento e cura”, relata.
Depois do tratamento, Flávio comemora a vida com a família, que cresceu
Passados quase 13 anos do transplante, Flávio leva uma vida normal. Ao lembrar da cirurgia, ele se diz grato à equipe que o atendeu no HGF. “Médicos, enfermeiros e demais profissionais do HGF sempre me atenderam com competência e gentileza. Para mim, essas pessoas não foram apenas profissionais, mas apoiadores”.
Hoje, ele fica feliz em dizer que leva uma vida normal. “Minha família cresceu e, além dos meus dois filhos, ganhei três netas. O ano de 2010 é inesquecível para mim e minha família, não apenas pela luta que vivemos, mas, principalmente, pela vitória que Deus nos concedeu”, diz.
De acordo com o infectologista do Hospital São José (HSJ), Érico Arruda, as hepatites virais, nas fases agudas, podem ser assintomáticas. Foi o que aconteceu no caso do microempresário, que só soube do problema quando não era mais possível salvar o fígado adoecido.
“Nas fases avançadas, um dos sinais pode ser um sangramento digestivo, pelo rompimento de varizes do esôfago ou por uma diminuição das plaquetas”, explica.
O sintoma mais comum é a icterícia, que é o surgimento de uma coloração amarelada nos olhos ou na pele. “Esse sintoma é o que geralmente leva as pessoas a procurarem a atenção à saúde. Também pode haver náusea, mal-estar abdominal e alteração da coloração da urina e das fezes”.
O médico frisa que os sintomas que mais preocupam são relacionados à insuficiência hepática: alterações do comportamento e modificação do sono. “Significa uma alteração no cérebro por intoxicação por produtos que, normalmente, são metabolizados pelo fígado. Com a doença, deixam de ser [metabolizados] e prejudicam o funcionamento do cérebro”, esclarece.
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Caso apresentem algum desses sintomas, as pessoas devem procurar as Unidades Básicas de Saúde ou de Pronto Atendimento para os devidos encaminhamentos e início do tratamento.
Criado em maio de 2002, o Ambulatório de Hepatites do Hospital São José (HSJ), unidade da Rede Sesa referência no tratamento dessas doenças, acolhe pacientes com todos os tipos de hepatite, sejam elas virais, autoimunes, medicamentosas ou, ainda, causadas por álcool e drogas. Integram a equipe três médicos — dois hepatologistas e uma infectologista — e uma enfermeira, que coordena o acolhimento de primeira consulta.
Entre os pacientes atendidos pelo serviço, está Paulo [nome fictício], natural de Angola. Ele recebeu o diagnóstico de hepatite B há seis anos, logo quando chegou ao Brasil, no ambulatório da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), onde estuda atualmente. Após o resultado, o angolano foi encaminhado para o Ambulatório de Hepatites do HSJ.
“É uma doença como a hipertensão, você vai estar com ela durante toda a vida. Na verdade, o vírus está lá, mas está adormecido, neutro. É só você continuar tomando a medicação para ele não ter forças para causar danos ao corpo. Graças a Deus, está tudo bem para mim. Nunca senti nada”, relatou. Apesar de não ter cura, a hepatite B é uma doença crônica que pode ser controlada com medicamentos antivirais.
Todos os anos, o ambulatório treina residentes de Infectologia e de Clínica Médica do hospital e acolhe pesquisas multicêntricas e locais, contando hoje com dez alunos de iniciação à pesquisa de todas as áreas da saúde. O serviço também atua em parceria com os ambulatórios de hepatites dos hospitais Geral de Fortaleza (HGF) e Universitário Walter Cantídio (HUWC) e atende, ainda, estudantes estrangeiros da Unilab que, assim como Paulo, foram diagnosticados com hepatite B ou C.
“Diagnosticar precocemente e oferecer tratamentos eficazes a fim de evitar que a doença evolua para cirrose ou câncer de fígado estão entre os principais objetivos do Ambulatório em relação à hepatite B. Já em relação à hepatite C, o objetivo é curar, já que o tipo tem cura e tratamento. Esses pacientes tratam, curam e recebem alta, quando são diagnosticados em fases precoces”, frisa a hepatologista da unidade, Elodie Hyppolito.
A médica assinala que o maior desafio está em identificar os pacientes com hepatite. A doença é silenciosa e costuma manifestar sintomas somente em estágios muito avançados. Segundo a médica, o diagnóstico, por vezes, acontece tardiamente: cerca de 20 a 30% das pessoas com hepatites B e C já têm cirrose no momento em que buscam tratamento.
“Muitas vezes, elas só têm esse diagnóstico quando apresentam quadros de vômitos de sangue, água na barriga ou mesmo aparecimento de câncer, daí elas já são encaminhadas direto para o transplante, isso quando dá tempo de transplantar. Em alguns casos, infelizmente, o tratamento será apenas paliativo”, finaliza. Por isso a importância de ficar atento aos sintomas e buscar a testagem.
Segundo a articuladora do Grupo de trabalho de IST/HIV/Aids e hepatites virais da Sesa, Telma Martins, o diagnóstico das hepatites virais é feito através dos testes rápidos, que estão presentes em todas as Unidades de Atenção Primária e em alguns serviços especializados de HIV, que também tratam as hepatites virais.
“Os testes são feitos de forma gratuita no SUS. Outros exames para complementação de diagnóstico e monitoramento clínico da doença são feitos no Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen), que recebe as amostras das unidades de saúde, mas não atendem diretamente ao público”, destaca.